Receita aperta cerco a ‘não residente’ em ações

Além de dar por encerrada a fase de autorregularização das instituições financeiras que fazem operações envolvendo investimentos de não residentes, que são isentos de tributos, mas vinham sendo utilizadas irregularmente por brasileiros, a Receita Federal intensificou em março sua fiscalização e atuação envolvendo negociações feitas diretamente no mercado acionário.

Nesse caso, as autuações (quando a Receita atesta a irregularidade e inicia a cobrança) já estão sendo feitas nas situações em que se identifica que a corretora compra ou vende um papel na bolsa alegando estar operando para um estrangeiro, mas na verdade estaria atuando para um residente que se aproveita de alguma estrutura no exterior.

Os movimentos iniciais da Receita, que começou essa atuação voltada para operações supostamente de não residentes no segundo semestre de 2017, estavam mais voltadas para fundos de investimento, que envolvem valores maiores. Agora, além desses, o Fisco está de olho nos movimentos feitos pelas corretoras, que é mais pulverizado.

O chefe da Delegacia Especial de Maiores Contribuintes da Receita Federal, Marcelo Koji, informou ao Valor que processos já foram abertos tanto em casos de fundos de investimentos, que já vinham sendo acompanhados há mais tempo, como nas operações diretas no mercado acionário, por meio de corretoras de valores. Nesses casos, os contribuintes atingidos estão sujeitos a multas que variam de 75% a 150% sobre o valor não recolhido.

A legislação brasileira oferece incentivo fiscal para investidores não residentes no Brasil e não domiciliados em paraísos fiscais. Conforme o tipo de investimento, os benefícios incluem alíquota zero ou redução de alíquota do Imposto de Renda (IR) e alíquota zero de IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). No entanto, desde 2017 a Receita identificou indícios de investidores declarados como estrangeiros que são na verdade residentes.

Koji disse que a arrecadação relacionada a essas operações dobrou, de uma média de R$ 500 milhões até 2016 para mais de R$ 1 bilhão por ano. Esse ritmo, acredita, deve ser mantido e pode até aumentar em 2019 com os novos focos de ação do Fisco. Mas ele ressalta que o objetivo da Receita não é arrecadatório e sim o de fazer cumprir a lei, garantindo que o incentivo fiscal seja dado a quem tenha direito.

“A Receita não quer prejudicar o mercado de capitais. Não estamos em uma procura desenfreada por arrecadação. Quem faz o correto não tem o que temer”, disse o delegado, explicando que, além das multas, a fraude na declaração de não residente enseja processos por sonegação e crime contra a ordem tributária. “Nós começamos com operações de valores maiores e agora estamos chegando nos investidores de bolsa”, completou Koji.

Neste ano e meio de conversas com o sistema financeiro, iniciada com a antecessora de Koji na delegacia de grandes contribuintes, Marcia Meng, houve uma série de reuniões de “conformidade”, que continuaram ocorrendo após a chegada do novo delegado em fevereiro.

Mas a leitura é que agora o mercado já está suficientemente esclarecido para saber que o benefício é válido para estrangeiro e não pode ser utilizado por brasileiros em operações estruturadas fora do país. Uma vez abertos os procedimentos de fiscalização efetivos, não é mais possível ao contribuinte fazer a autorregularização, pagando o que seria devido sem a incidência de multa ou procedimentos administrativos e criminais.

Questionado sobre reclamações de que a Receita estaria desconsiderando casos em que instituições abrem a origem de seus clientes, mas estariam autuando operações porque algumas estruturas acabam passando por paraísos fiscais como Ilhas Cayman, Koji é enfático em dizer que a Receita olha a operação do ponto de vista da “substância econômica” e lembra que a legislação não beneficia operações com paraísos fiscais. “Qual a razão para se passar por Cayman? Qual a substância dessa estrutura”, questionou o auditor.

Fonte: Valor Econômico

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