Aumentar ou não aumentar os tributos, eis a questão das eleições

As eleições presidenciais estão em todas as pautas. Começaram as entrevistas e os debates. As redes sociais estão repletas de vídeos, postagens, “memes” e, naturalmente, de fake news. Os candidatos verbalizam suas ideias sobre os mais variados temas (às vezes seria melhor que ficassem calados). Quem será escolhido pelo voto para exercer a Presidência da República nos próximos quatro anos? Quem será o(a) candidato(a) que assumirá a árdua missão de recuperar a economia destroçada por anos de uma política econômica equivocada, que beneficiou poucos empresários campeões nacionais em troca de favores financeiros que serviram para perpetuar um aparato político-partidário alimentado por dinheiro público?
 
 
Seja quem for o vencedor, já sabemos desde logo quem será o perdedor: o contribuinte. Sem aumento de impostos, será impossível fazer frente ao elevadíssimo déficit público e permitir o mínimo de realizações.
 
 
Estivemos analisando as propostas apresentadas pelos candidatos à Presidência, se assim se podem definir declarações esparsas e pouco estruturadas. Na semana que passou, recebi de uma colega de Brasília um quadro comparativo das “propostas tributárias” divulgado pela Patri Políticas Públicas. Os candidatos citados no quadro em questão foram: Lula (PT), Jair Bolsonaro (PSL), Geraldo Alckmin (PSDB), Marina Silva (Rede), Ciro Gomes (PDT), Henrique Meirelles (MDB) e Álvaro Dias (Podemos).
 
 
As propostas foram divididas nas seguintes categorias: (i) pauta principal; (ii) reforma tributária; (iii) tributar renda; (iv) tributação do andar de cima; e (v) outras propostas.
 
 
Em todas as declarações citadas na categoria “pauta principal”, os candidatos negaram que irão aumentar a carga tributária geral; quase todos afirmam que irão mantê-la nos patamares atuais, mas nenhum promete sua redução.
 
 
Com efeito, Lula afirma que irá manter a carga atual, mudando sua composição; Ciro promete diminuir os tributos dos pobres, especialmente sobre o consumo, e aumentar para as classes altas; Marina afirma ser impossível reduzi-la, mas promete não aumentá-la; Meirelles condiciona a diminuição da carga ao corte de despesas; Álvaro Dias promete uma reforma tributária para “pôr o Brasil no nível internacional”; Alckmin considera a reforma indispensável para “aumentar a produtividade e eliminar distorções”; e Bolsonaro afirma que, “se depender de mim, ninguém mais vai ser tributado, senão vai quebrar o Brasil”.
 
 
Só disseram obviedades. Mais do mesmo. Infelizmente, não se conseguiu ainda conscientizar os candidatos que nosso sistema tributário está obsoleto, tanto em relação ao vultoso conjunto de tributos quanto às regras de distribuição de competências entre os entes federados e que há que se pensar “fora da caixa”, buscando soluções que sejam adequadas para capturar a riqueza gerada nas relações econômicas construídas na era digital.
 
 
Todos os candidatos, à exceção de Bolsonaro, prometem introduzir um imposto sobre o valor adicionado (IVA), de implantação gradual e cujas receitas seriam compartilhadas entre União, estados, Distrito Federal e municípios. A proposta mais consistente de um tributo seguindo esse modelo é a do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), concebida pelo Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), sob a coordenação jurídica do professor Eurico de Santi, da Fundação Getulio Vargas em São Paulo.
 
 
A ideia é brilhante. O trabalho está bastante completo. O modelo é racional. As minutas de providências legislativas estão prontas. Mas será que o parlamento aprovará um tributo que retira das mãos dos estados, Distrito Federal e municípios competências tributárias para passarem a ser destinatários de repasses de recursos arrecadados pela União?
 
 
Recordo-me das palavras do hoje vice-governador do Rio de Janeiro, Francisco Dornelles, que, quando senador, apresentou proposta em sentido semelhante, e me confidenciou que o projeto jamais caminhou por fortíssimas pressões de governadores de estado temerosos da perda de poder.
 
 
Some-se a isso que a concessão de incentivos fiscais locais, justificada pelo desequilíbrio econômico regional, pressupõe que essa competência siga existindo nas mãos dos estados. Com isso, perpetua-se um modelo de tributação que se tornou o maior foco de insegurança jurídica para os contribuintes e que deu origem à guerra fiscal, cujo fim está longe, como denunciaram Melina Lukic e Ana Carolina Monguilod em recente artigo publicado no jornal Valor Econômico[1].
 
 
Ou seja, o caminho para o IBS passa por um amplo entendimento nacional, que apenas um presidente com altíssima capacidade de articulação com parlamentares e governadores poderá tornar realidade.
 
 
Ainda na categoria “reforma tributária”, Álvaro Dias e Bolsonaro pensam parecido, propondo a recriação de um tributo sobre movimentação financeira, nos moldes da extinta CPMF, que seria um imposto “quase” único.
 
 
Já no domínio do Imposto de Renda, parece haver uma convergência de ideias no sentido de se elevar a tributação como forma de compensar uma prometida redução da tributação do consumo.
 
 
No plano do Imposto de Renda das pessoas físicas, todos prometem tornar o imposto mais progressivo e ampliar as isenções dos mais pobres, como Lula, que promete isentar quem ganha até cinco salários mínimos; no plano do Imposto de Renda das pessoas jurídicas, fala-se muito em redução da alíquota: nas palavras de Bolsonaro, uma redução “à la Trump”; Alckmin preconiza a incorporação da CSLL definitivamente no IRPJ, assumindo-se assim, de uma vez por todas, que na realidade a CSLL não passa de um adicional do Imposto de Renda com destinação específica de financiamento da seguridade social.
 
 
Na categoria “tributação do andar de cima”, Lula promete taxar grandes patrimônios, heranças, lucros e dividendos e grandes movimentações financeiras. Ciro, Marina e Meirelles trilham caminhos muito parecidos em suas posições. Apenas Bolsonaro e Álvaro Dias se manifestaram contra a tributação de grandes fortunas por considerarem esse tributo um desincentivo à manutenção de investimentos de vulto no país, tendo em vista a rápida mobilidade dos grandes capitais.
 
 
A fixação de todos — com a exceção declarada de Bolsonaro — pela reintrodução da tributação dos dividendos se nos afigura ser um grande retrocesso em relação a uma providência legislativa acertada, tomada no início do governo FHC[2], que, desonerando os dividendos de tributação, eliminou o fenômeno da dupla tributação econômica da renda, estimulando a circulação de capitais e a realização de novos investimentos.
Recordo-me de conversas com o professor Alberto Xavier quando presidia a Comissão de Reforma da Fiscalidade Internacional em Portugal, em 1998, um grupo de trabalho constituído pelo então ministro das Finanças de Portugal, professor António Luciano de Sousa Franco, durante o governo de António Guterres. Naquela ocasião, Alberto dizia que o Brasil pôs em prática aquilo que vinha propondo para Portugal desde os anos 1970, quando foi secretário de Estado do Planejamento Econômico: a desoneração da distribuição de lucros e dividendos.
 
 
A experiência revela que no atual cenário econômico será muito difícil reduzir o Imposto de Renda das empresas e, com certeza, a reoneração dos dividendos representará um custo adicional para os contribuintes.
 
 
No tópico “outras propostas”, a maior parte dos candidatos não as tem. O candidato do PT (quem será?) fala em penalizar tributariamente os bancos pelo alto spread, o pedetista Ciro Gomes quer acabar com a “pejotização”, isto é, eliminar a possibilidade de se exercer atividades de profissões liberais através de sociedades unipessoais, tributadas pelo lucro presumido, bem como criar uma CPMF compartilhada com estados e municípios para transações acima de R$ 2 mil.
 
 
Nenhum dos candidatos apresentou nem sequer um esboço de proposta de política tributária que modernize nosso sistema. Essa incapacidade não é, porém, uma peculiaridade brasileira. Reportagem recentemente publicada na revista The Economist[3], cuja leitura foi recomendada por Everardo Maciel, revela como os modelos de tributação adotados nos países estão ultrapassados e já não se adequam à realidade econômica do século XXI.
 
 
O texto termina de forma lapidar em passagem que calça como uma luva no atual cenário nacional:
 
 
Adam Smith said that taxes should be efficient, certain, convenient and fair. Against that standard, today’s tax policies are unforgivably cack-handed. Politicians rarely consider the purpose and scope of taxation. When they do change tax codes, they clumsily bolt on new levies and snap off old ones, all in a rush for good headlines. Rewriting the codes means winning over sceptical voters and defying rapacious special interests. It is hard work. But the prize is well worth the fight[4]
 
 
Que o(a) escolhido(a) saiba dar a devida importância à questão tributária, levando em conta a necessidade premente de uma ampla revisão da modelagem constitucional, especialmente da tributação do consumo, buscando racionalidade e simplificação, mas tendo consciência da importância de construir soluções adequadas ao século XXI.
 
 
Os contribuintes agradecem.
 
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O começo de um novo projeto profissional é sempre cercado de muitas expectativas, especialmente para mim, que sempre tive um “X” ao meu lado, abrindo os caminhos, orientando as escolhas, educando os sentidos.
 
 
A jornada ao lado do professor Alberto Xavier começou em agosto de 1991, há exatos 27 anos. Do estágio no Castro, Barros, Sobral e Xavier à fundação, em 1995, já como advogado, do Xavier, Bernardes e Bragança, o histórico “XBB”, um empreendimento de sucesso, das mais felizes memórias, onde a harmonia no ambiente de trabalho foi sempre posta em primeiro lugar. Em 2013, fundamos o Xavier, Duque Estrada, Emery, Denardi (XDE), quando a equipe se autonomizou para formar um escritório especializado, dito “butique”, focado apenas no Direito Tributário.
 
 
Há quase dois anos, doutor Alberto — era assim que eu o chamava — veio a falecer. Seguimos a caminhada com o “X” na placa, pois assim ele nos havia autorizado. Conversas surgiram. Muitos amigos procuraram, deixando-nos honrados e felizes. Mas apenas um deles, com quem já havia conversado há alguns anos sobre quem sabe no futuro estarmos juntos, teria sido neste momento também a escolha do doutor Alberto. Esse amigo, irmão mais velho, nascido no mesmo dia 11 de dezembro, parceiro de viagens e de congressos, é meu colega de ConJur Gustavo Brigagão.
 
 
A formação do novo escritório Brigagão, Duque Estrada, Emery Advogados (BDEE) não aconteceria sem a força de uma mulher: Renata Emery. Energia e vibratilidade, garra e dedicação são algumas das características dessa personalidade fulgurante, que tem sido minha irmã na profissão há quase (quase mesmo!) 20 anos.
 
 
Nessa caminhada, temos sócios que já estavam comigo e com Renata — Alberto Medeiros, Pedro Simão e Carlos Renato Vieira — e sócios trazidos por Gustavo — Rodrigo Caserta e Eduardo Muniz. O time completo joga ainda com Natascha Javoski, Juliana Rosa, Ana Cristina Assunção, Gabriel Batti, Pedro Grillo, Lis Aguileira, Gustavo Josino da Costa, Isabelle Marucci, Wellington Maia, Maria Clara Oliveira, Marco Guedes, João Gabriel dos Santos, Paloma Luckza dos Santos, Mayara Roubert, Vitor Medeiros e Julia Costa.
 
 
A energia positiva que recebemos de nossos colegas de profissão, clientes e amigos é indescritível. Por isso comecei meu texto com esse trecho da canção de Bob Marley que fala de um novo dia, de novos tempos, de novos sentimentos, de novos sinais, de positive vibrations.
 
 
Esse novo dia chegou. O “X” saiu da placa, mas segue marcado dentro de nós. É uma herança que fizemos por merecer, que soubemos conquistar. Agora um novo capítulo se inicia. Seguiremos neste espaço, com nova assinatura, compartilhando com os leitores nossas reflexões tributárias.
 
 
Muito obrigado a todos aqueles que nos passaram essa energia positiva e que estão na torcida pelo sucesso de nossa empreitada profissional.
 
 
Artigo por Roberto Duque Estrada – sócio-fundador do Brigagão, Duque Estrada, Emery Advogados.
 
 
Fonte: ConJur
 

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