Antes do advento da Lei 9.430/96, a legislação tributária permitia, dentro de determinadas condições e limites, a dedução da “provisão para créditos de liquidação duvidosa” como despesa operacional para fins de apuração da base de cálculo do IRPJ e da CSLL (artigo 43 da Lei 8.981/95).
A partir do ano-calendário de 1997, entretanto, a citada provisão deixou de ser dedutível e somente as perdas no recebimento de créditos decorrentes das atividades da pessoa jurídica passaram a ser deduzidas como despesas operacionais, observado o disposto no artigo 9º da Lei 9.430/96.
A fim de que a atual jurisprudência do Carf sobre o tema possa ser melhor analisada, faz-se necessária uma breve análise do citado dispositivo legal.
Segundo os parágrafos 1º e 7º do artigo 9º da Lei 9.430 de 1996, poderão ser registrados como perda os créditos:
a) em relação aos quais tenha havido a declaração de insolvência do devedor, em sentença emanada do Poder Judiciário;
b) sem garantia, de valor:i) até R$ 15 mil, por operação, vencidos há mais de seis meses, independentemente de iniciados os procedimentos judiciais para o seu recebimento (até dia 7/10/2014 — antes da edição da Medida Provisória 656/2014, convertida na Lei 13.097/2015 — esse limite era de R$ 5 mil);
ii) acima de R$ 15 mil, até R$ 100 mil, por operação, vencidos há mais de um ano, independentemente de iniciados os procedimentos judiciais para o seu recebimento, porém, mantida a cobrança administrativa (o intervalo de valor vigente até o dia 7/10/2014 era acima de R$ 5 mil a R$ 30 mil);
iii) superior a R$ 100 mil, por operação, vencidos há mais de um ano, desde que iniciados e mantidos os procedimentos judiciais para o seu recebimento (até 7/10/2014 esse rito era aplicado para créditos superiores a R$ 30 mil);
c) com garantia, vencidos há mais de dois anos, de valor [1]:
i) até R$ 50 mil, independentemente de iniciados os procedimentos judiciais para o seu recebimento ou o arresto das garantias; e
ii) superior a R$ 50 mil, desde que iniciados e mantidos os procedimentos judiciais para o seu recebimento ou o arresto das garantias; e
d) contra devedor declarado falido ou pessoa jurídica em concordata ou recuperação judicial, relativamente à parcela que exceder o valor que esta tenha se comprometido a pagar [2]:
É importante ressaltar que, nas hipóteses em que se exige cobrança judicial do crédito, em caso de desistência dessa demanda antes de decorridos cinco anos do vencimento do crédito, no período de apuração em que se der a desistência, a perda eventualmente registrada deverá ser estornada ou adicionada na apuração do lucro real (parágrafo 1º do artigo 10 da Lei 9.430/96).
Por outro lado, não é admitida a dedução de perda no recebimento de créditos com pessoa jurídica controladora, controlada, coligada ou interligada, bem como com pessoa física que seja acionista controlador, sócio, titular ou administrador da pessoa jurídica credora, ou parente até o terceiro grau dessas pessoas físicas (parágrafo 6º do artigo 9º da Lei 9.430/96).
Pois bem, conforme se observa da legislação transcrita, desde 1997 não há mais que se falar em mera estimativa de não recebimento dos créditos decorrentes de operações de venda ou prestação de serviços para que esses valores possam ser deduzidos na apuração do lucro real.
Para que haja essa dedução, faz-se necessário que efetivamente haja perdas nessas operações, ainda que essas perdas não sejam definitivas. Contudo, para que isso seja possível, há de observar os limites de valores dos créditos não percebidos, o tempo em que as dívidas estejam em aberto e também os procedimentos de cobrança administrativa ou judicial exigidos pelo artigo 9º da Lei 9.430/96.
No que diz respeito à dedução de perdas provisórias no recebimento de créditos condicionadas às regras impostas nos artigos 9º a 12 da Lei 9.430/96, pode-se afirmar que não há divergências no âmbito do Carf, conforme se observa, por exemplo, no Acórdão 1301-002.606.
Observa-se ainda que há inúmeras decisões que consideram a existência de postergação quando, por exemplo, constata-se que no momento da dedução realizada pela pessoa jurídica as perdas ainda não eram dedutíveis por não terem sido preenchidos todos os pressupostos contidos na Lei 9.430/96, mas, à época da realização do lançamento, o contribuinte já houvera recolhido o correspondente IRPJ devido em razão de, no período em que já preenchidos os requisitos legais, não ter havido a dedução dessas perdas (Resolução 1402-000.365, acórdãos 1101-000.901 e 1401002.287)[3].
Seguindo essa mesma linha de raciocínio decidiu a 1ª Turma da CSRF que, inexistindo prejuízo ao Fisco, é admitida a dedução da perda no recebimento de crédito efetuada em período posterior àquele em que foi decretada a falência do devedor, ainda que seja possível ao sujeito passivo credor reconhecer a despesa no mesmo ano em que a falência foi decretada (Acórdão 9101002.522).
Outro interessante debate se deu no bojo do Acórdão 1402-002.216, em que a controvérsia dizia respeito ao conceito de crédito com garantia para a operação em análise[4]: o conselheiro relator entendeu que o penhor de direitos creditórios configuraria garantia real sujeita a arresto, aplicando-se esse entendimento para o caso de duplicatas, mas prevaleceu o entendimento divergente no sentido de que o artigo 9º, parágrafo 1º, III, da Lei 9.430/96 exigiria possibilidade de arresto da garantia, o que não seria possível tratando-se de título de crédito, pois o arresto, tanto como ato executivo (artigos 653 a 654 do CPC/1973), como medida cautelar (artigos 813 a 821 do CPC/1973), seria instituto aplicável somente a bens[5].
Em relação aos casos em que, comumente, instituições financeiras dispunham de carteira de créditos vencidos, sem preenchimento dos requisitos exigidos pela Lei 9.430/96, e realizavam cessões desses créditos com deságios significativos, já houve certa controvérsia sobre o tema.
No Acórdão 1402-002.358, por exemplo, entendeu-se que as perdas registradas pela instituição financeira oriundas de cessões de créditos inadimplidos, e tidos como incobráveis, representa prática empresarial normal e usual de mercado e tais dispêndios reúnem as condições para dedução como despesas operacionais na determinação do lucro real. Salienta-se, que, nesse caso, estava se tratando de uma perda definitiva.
Tratando o tema de maneira distinta, no Acórdão 101-95.385, prolatado pelo extinto Conselho de Contribuintes, entendeu-se que em se tratando de perdas no recebimento de créditos deve-se sempre aplicar o disposto nos artigos 9º a 12 da Lei 9.430/96, não havendo distinção de tratamento entre perdas definitivas ou presumidas.
Já no Acórdão 1301-002.011 consta que as “disposições dos arts. 9º a 12 da Lei nº 9.430, de 1996, cuidam do que se poderiam denominar perdas presumidas, ou seja, encerram presunções legais de perdas efetivas a partir das hipóteses ali elencadas. Assim, na circunstância em que o contribuinte por meio de acordo com o devedor, lhe concede desconto com o intuito de solucionar a pendência financeira, fica caracterizada, em relação à parte alcançada pelo citado acordo, perda efetiva, dedutível nos termos do art. 299 do Regulamento do Imposto de Renda de 1999 (RIR/99)”.
Alinhando-se à tese de que a legislação tributária que trata das perdas no recebimento de créditos aplica-se tão somente a perdas presumidas, a 1ª Turma da CSRF, na sessão de 3 de abril de 2017, decidiu que, na hipótese de perdas definitivas, aplica-se o disposto no artigo 299 do RIR/99[6](Acórdão 9101-002.717).
Há de se ressaltar que esse entendimento de que o disposto nos artigos 9º a 12 da Lei 9.430/96 não é aplicável às perdas definitivas, embora aparentemente já pacificado no âmbito do Carf, foi posto em dúvida quando da edição do Ato Declaratório Interpretativo RFB 02/2018, que considerou que, ainda que os créditos estejam vencidos há mais de cinco anos, somente poderiam ser deduzidos como despesas os créditos decorrentes das atividades das pessoas jurídicas para os quais tenham sido cumpridos os requisitos previstos no artigo 9º da Lei 9.430/96.
É interessante observar que no citado precedente da 1ª Turma da CSRF sobre o tema (Acórdão 9101-002.717), o voto condutor do aresto cita que no artigo 10 da Lei 9.430/96 consta que, em casos de desistência da cobrança antes de decorridos cinco anos, a perda eventualmente registrada deverá ser estornada (parágrafo 1º), concluindo a conselheira relatora que estas perdas só serão definitivas com o transcurso de cinco anos do vencimento do crédito sem liquidação pelo devedor e que, na hipótese de instituição financeira, o desconto concedido para o recebimento de crédito tem natureza definitiva, relacionado às atividades da empresa, cumprindo requisitos de habitualidade e normalidade para enquadramento no artigo 299 do RIR/99.
Evidentemente, o citado ato declaratório não possui efeito vinculante sobre os conselheiros do Carf, contudo, há de se observar se esse recente pronunciamento terá força suficiente para reabrir os debates sobre o tema nas turmas julgadoras desse conselho.
Fonte: ConJur.