Há alguns anos estamos vivendo uma revolução nas relações econômicas. O intenso uso e desenvolvimento de ferramentas digitais está transformando o perfil de consumo da sociedade, cada dia mais consumidora de serviços, com soluções integradas.
Ao invés de adquirir impressoras, muitos escritórios preferem pagar por impressão a empresas que cedem o uso do equipamento e cuidam da sua manutenção. Ao invés de adquirir um automóvel próprio, muitas pessoas têm recorrido ao transporte individual (táxi e afins) ou pagam uma mensalidade que lhes conferem o direito de uso de determinados automóveis em certas condições. Ao invés de adquirir uma licença perpétua de uso de um software (como se comprava nas livrarias), os consumidores preferem pagar mensalmente pela licença e contar com todas as atualizações deste e de outros softwares oferecidos pelo desenvolvedor. Foram citados apenas três, mas há exemplos neste sentido em quase todos os setores da economia.
Este novo perfil de consumo tem agravado ainda mais as distorções do nosso sistema tributário nacional. O consumo de bens e serviços no Brasil é tributado por cinco diferentes tributos (ICMS, ISS, IPI, PIS e COFINS), o que, por si só, torna a tributação sobre o consumo excessivamente onerosa, burocrática, desigual e irracional. Agrava este cenário o fato de a tributação sobre o consumo cabível a estados e municípios ter sido dividida, cabendo, em linhas gerais, aos estados a tributação sobre o consumo de bens e aos municípios o consumo de serviços. E detalhe: os estados são obrigados a destinar um quarto da arrecadação do ICMS aos municípios, ao passo que os municípios não são obrigados a repartir a arrecadação do ISS com ninguém.
Neste cenário, se conclui que a mudança no perfil de consumo está causando enorme preocupação nos estados. Exemplo emblemático disso é a desenfreada estratégia dos estados de sustentarem que softwares são bens digitais tributáveis pelo ICMS, se socorrendo de um precedente do STF proferido há vinte anos (RE nº 176.626/SP) para editar atos normativos como o Convênio ICMS nº 106/2017. No citado precedente, o STF classificou para fins tributários softwares em duas categorias: softwares de prateleira e softwares por encomenda. Com base nesta divisão, entendeu o STF à época que software de prateleira seria mercadoria, enquanto software por encomenda seria o resultado da prestação de um serviço. Pela estratégia desenhada pelos Estados, softwares que não sejam produtos de encomenda, são mercadorias digitais tributárias pelo ICMS.
Ressalto que, quando ocorreram os fatos analisados pelo STF no RE nº 176.626/SP até fazia sentido a citada distinção, já que à época não havia nenhuma regulamentação da matéria e pouco se conhecia sobre o mercado de software. Com o advento da Lei do Software (nº 9.609/98), da Lei da Propriedade Intelectual (nº 9.610/98) e da Lei Complementar nº 116/03, esta distinção perdeu completamente o sentido porque tais leis disciplinaram o mercado de software e estabeleceram, sem distinguir software de prateleira e de encomenda, que licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computador é tributável pelo ISS e não pelo ICMS (item 1.05 da Lei Complementar nº 116/03).
Este é apenas um dos inúmeros exemplos que poderiam ser citados para demonstrar que, no fim das contas, é sempre o contribuinte e o cidadão quem arcam com o custo das distorções e de toda ineficiência do sistema tributário nacional. Não faltam boas iniciativas para uma profunda e necessária reforma tributária – há dezenas de bons projetos de reforma tributária tramitando no Congresso Nacional. O que falta é motivação e mobilização política para os projetos sobre reforma tributária em andamento avançarem e serem discutidos de forma séria e célere.
Por Leonardo Milanez Villela – Sócio da Correia da Silva Advogados
Fonte: Jornal do Comércio