A reforma trabalhista começa a alterar a forma de relacionamento entre departamentos jurídicos e escritórios de advocacia terceirizados. O motivo é a previsão de pagamento dos chamados honorários de sucumbência por trabalhadores aos advogados da parte contrária que ganharem as causas – possibilidade que não existia até novembro, quando a Lei nº 13.467, de 2017, entrou em vigor.
“Sucumbência: é o princípio pelo qual a parte perdedora no processo é obrigada a arcar com os honorários do advogado da parte vencedora.
A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios.
Essa verba honorária será devida, também, nos casos em que o advogado funcionar em causa própria.”
Os honorários, que a depender do montante da causa podem ser altos (ver abaixo), começaram a chamar a atenção das áreas jurídicas de algumas empresas, que passaram a reivindicar parte desses valores.
Alguns escritórios já revisaram seus contratos para dividi-los com os clientes (departamentos jurídicos), sob forma de desconto nas faturas mensais. Esse posicionamento, porém, não é unânime. Há bancas que decidiram manter os contratos no antigo formato, por entenderem que só têm direito aos honorários advogados externos que atuaram na causa.
O advogado Daniel Chiode, sócio do Chiode Minicucci Advogados, resolveu dividir os ganhos. Após a reforma, propôs aos clientes um percentual dos honorários de sucumbência. “Achei legítimo dividir porque o fato de eu ganhar ou perder uma ação tem a ver também com a atuação do departamento jurídico”, afirma.
De acordo com Chiode, foram alterados 18 contratos. Os valores destinados aos departamentos jurídicos serão descontados das faturas enviadas aos clientes. Com a medida, Chiode ganhou trabalho. Ele afirma que seus clientes remanejaram processos que estavam com outras bancas para o escritório.
Do ponto de vista ético, a seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP) considerou válida a divisão dos honorários sucumbenciais entre o advogado e o cliente. Em decisão da 1ª Turma, na 606ª sessão, realizada em agosto, o Tribunal de Ética e Disciplina entendeu que essa negociação é possível. Porém, “é dever do advogado atuar com dignidade e contratar honorários advocatícios que não sejam aviltantes, cujas condutas podem ser reprováveis eticamente”.
Até a reforma trabalhista (Lei nº 13.467, de 2017), os honorários de sucumbência eram previstos apenas para a esfera cível. O artigo 791-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) passou a prever que são devidos os honorários sucumbenciais, inclusive ao advogado que atue em causa própria, “fixados entre o mínimo de 5% e o máximo de 15% sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa”. A medida foi incluída como forma de coibir “aventura jurídicas”.
A divisão com os departamentos jurídicos, porém, não parece, ao menos por enquanto, que será a praxe do mercado. O advogado Marcello Della Monica, do Demarest Advogados, afirma que o artigo 23 do Estatuto da Advocacia (Lei nº 8906, de 1994) é claro no sentido de que os honorários de sucumbência pertencem ao advogado que atua na causa.
Para Della Mônica, tudo dependerá também do tipo de contrato. A maioria dos grandes escritórios estabelece em contrato que o processo será outorgado exclusivamente ao advogado da banca. “Nesses casos, não haveria discussões em relação a quem pertencem esses honorários”, diz. Já nas situações em que há o substabelecimento e iguais poderes para o advogado externo e interno, poderia, segundo ele, haver esse questionamento em relação aos honorários.
“Apesar de ser um direito que se pode transacionar entre escritórios e departamentos jurídicos, o que deve nortear essa discussão é quem de fato está atuando no processo”, afirma Della Mônica. Para ele, esses honorários são do advogado contratado porque caberá a ele fazer as petições, comparecer às audiências e fazer sustentações orais.
No caso do Demarest, segundo o advogado, a banca é contratada para conduzir assuntos estratégicos. “Somos contratados pela nossa expertise, todo o esforço e desenvolvimento da tese é em grande parte do escritório, apesar da colaboração preciosa dos clientes”, diz Della Mônica.
O advogado Maurício Pessoa, do Pessoa Advogados, também concorda que os honorários são do escritório. “Essa é uma situação nova na Justiça do Trabalho mas não na área cível, na qual já está consolidado que quem deve receber esses honorários é o advogado do escritório. Até porque é o que está previsto em lei”, afirma. De acordo com ele, o escritório ainda não teve nenhuma solicitação de cliente para a divisão dos valores que forem recebidos.
Essa situação também não chegou a ser concretamente analisada no Azevedo Sette Advogados, mas o sócio Paulo Ciari de Almeida Filho afirma que os honorários são um direito do advogado do escritório. Para ele, eventual reivindicação de valores pelos departamentos jurídicos poderia gerar um efeito cascata. Provavelmente, o que ocorreria, acrescenta, seria um aumento dos honorários pro labore – pagos na prestação do serviço ou por hora trabalhada, por mês ou valor fixo. “Essa compensação teria que vir de outro lugar”, diz.
A head jurídica e de relações governamentais da Cabify, Juliana Minorello, entende, porém, que os advogados internos das companhias também devem ganhar uma porcentagem dos honorários, na medida em que a própria OAB já admitiu essa possibilidade. “Quer queira, quer não, o que existe é uma parceria com os escritórios de advocacia”, diz. Para ela, “por mais que exista a contratação externa, as diretrizes do processo vêm do jurídico interno”.
Juliana afirma que ainda é necessário analisar quais seriam as porcentagens ideais para cada um. Em geral, segundo ela, tem-se negociado 30% para o departamento jurídico e 70% para o escritório. Por questões de compliance, as empresas ainda precisam avaliar como poderiam ser feitas essas repartições: se os advogados externos repassariam esses valores, descontariam da fatura ou se haveria um saque pelo jurídico por meio de um alvará.
Essa possibilidade de divisão dos ganhos, segundo Juliana, trouxe um incentivo a mais para que os departamentos jurídicos desenvolvam com mais eficiência o seu trabalho.
Head do departamento jurídico da Apsen Farmacêutica, Harley Ferreira Cerqueira lembra que os departamentos jurídicos são responsáveis por parte da defesa. São os advogados internos, acrescenta, que levantam toda a documentação necessária e apresentam os fatos e as teses para que o escritório terceirizado possa redigir as peças.
Fonte: Valor Econômico