TRTs ignoram reforma trabalhista e reajustam processos acima da inflação


Os maiores TRTs (Tribunais Regionais do Trabalho) do país ignoram a nova CLT, a Consolidação das Leis do Trabalho, na correção de dívidas trabalhistas e aplicam um índice mais vantajoso para os empregados.
 
 
Dos 24 TRTs (Tribunais Regionais do Trabalho), ao menos sete neste ano já contrariaram a reforma trabalhista, em vigor desde novembro de 2017.
 
 
Decisões dessas cortes corrigiram passivos, como horas extras, com o IPCA-E (Índice de Preços ao Consumidor Amplo-Especial), uma derivação do índice oficial de inflação.
 
 
A nova lei estabeleceu a atualização dessas dívidas, enquanto os processos correm na Justiça do Trabalho, pela TR (Taxa Referencial), usada para remunerar a poupança.
 
 
Enquanto a TR ficou perto de 0% no acumulado de 12 meses até julho de 2018, o IPCA-E, medido pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), teve alta de 3,68% no mesmo período. Às ações trabalhistas ainda são somados juros de mora de 1% ao mês.
 
 
O uso do IPCA-E se fundamenta em uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), de 2015. A corte determinou sua aplicação na atualização de precatórios –dívidas públicas de municípios, estados e União em ações judiciais.
 
 
“Como um julgamento de precatórios pode servir de precedente para um débito trabalhista?”, questiona Cleber Venditti, advogado trabalhista e sócio do escritório Mattos Filho.
 
 
Embora a TR tenha sido criada em 1991, durante o governo Fernando Collor, e hoje esteja em desuso em razão de uma nova realidade econômica, Venditti critica os critérios atuais de correção.
 
 
“Os juros aplicados pela Justiça do Trabalho, de 1% ao mês, também não refletem muito dos indicadores do mercado”, afirma o advogado.
 
 
Desembargadores, porém, têm entendimento diferente.


 
 
Integrantes dos tribunais de São Paulo (capital, região metropolitana e Baixada Santista), Campinas (interior paulista), Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná, Mato Grosso do Sul e Bahia, mesmo após a reforma, aplicaram o IPCA-E. Decisões ainda afirmam que a mudança introduzida pela reforma é inconstitucional.
 
 
O presidente do CSJT (Conselho Superior da Justiça do Trabalho), ministro João Batista Brito Pereira, encaminhou um ofício aos presidentes dos tribunais para informar que uma nova tabela de correção monetária terá como base o IPCA-E. O documento é uma recomendação.
 
 
Brito Pereira, que também preside o TST, aguardava apenas a conclusão de uma ação na 2ª Turma do Supremo para editá-la. O trânsito em julgado –quando não cabem mais recursos– foi declarado no dia 15 de agosto. Segundo o TST, a tabela ainda não foi definida.
 
 
Turmas da própria corte superior também aplicaram o IPCA-E. Os tribunais mineiro e baiano têm decisões divergentes, a favor da TR.
 
 
A constitucionalidade da mudança na CLT ainda não foi analisada pelo Supremo.
 
 
“O ideal é que o STF, quer por liminar, quer no mérito, decida rapidamente sobre a questão”, diz Venditti.
 
 
No dia 16, a Consif (Confederação Nacional do Sistema Financeiro) ajuizou uma ação no Supremo em defesa da TR. A entidade reúne Fenaban (federação dos bancos), Fenacrefi (instituições de crédito), Fenadistri (títulos e valores mobiliários) e Fenaseg (seguradoras).
 
 
A Consif pede uma liminar (decisão provisória) para obrigar a atualização pela TR.
 
 
“Há o risco da insegurança jurídica. Há um critério estabelecido pela legislação que vem sendo afastado pela Justiça do Trabalho, criando uma indesejada indefinição para todas as partes e para a economia, e que só poderá vir a ser solucionada pelo STF”, diz o advogado Fábio Lima Quintas, um dos autores da ação.
 
 
De acordo com ele, a substituição da TR pelo IPCA cria distorção econômica. “Ela transforma uma dívida judicial trabalhista, não em uma legítima indenização, mas em um investimento, oferecendo rendimento superior, por exemplo, ao dobro do que se obtém nos títulos públicos.”
 
 
Na ação, Quintas escreve que o uso do IPCA-E “traduz usurpação da competência legislativa conferida pela Constituição à União para legislar sobre regime monetário”.
 
 
O presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), Guilherme Feliciano, diz que a entidade vai pedir para ingressar no processo.
 
 
“Essa ação da Consif abriu muitas portas, suscitou muitas polêmicas. A Anamatra deverá entrar como amiga da corte para sustentar que o índice correto é o IPCA-E”, afirma o juiz do trabalho.
 
 
Segundo Feliciano, a ação da Consif foi para a relatoria de Gilmar Mendes por prevenção, quando se trata de um processo sobre um mesmo assunto já em análise no Supremo.
 
 
“Isso se deu em razão de uma ADI [ação direta de inconstitucionalidade] da Anamatra, na qual questionamos o novo regime de depósito recursal, que determina também a TR”, afirma Feliciano.
 
 
Enquanto o STF não decide sobre o tema, o sócio do escritório Siqueira Castro e professor de direito do trabalho da USP Otavio Pinto e Silva diz que tanto empregado como empregador perdem.
 
 
“Um juiz pode aplicar TR e outro, IPCA-E. Uma mesma cidade, por exemplo, pode ter decisões distintas para trabalhadores de uma mesma empresa”, afirma Pinto e Silva.
 
 
Segundo ele, agora o caso está só com o Supremo. “É um ponto de direito material da reforma trabalhista que vai ser decisivo para se corrigir ações novas e também as antigas.”
 
 
No entanto, para Silva, cabe ao Legislativo definir a taxa ideal. “Ainda temos a lei. A lei diz que é TR. Se está errado, muda então a lei.”
 
 
Fonte: Folha de São Paulo
 

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