O problema da reforma tributária que parece estar sempre em discussão e nunca em andamento é que o próprio Estado não confia no efetivo e correto repasse dos impostos arrecadados. A opinião é do tributarista Rubens Velloza, do Velloza advogados.
“Hoje, a arrecadação de ICMS e de ISS vai direto para o município, e a administração municipal, vira e mexe, está devendo pra União, não paga os juros ou o acordo da dívida. E aí o governo federal bloqueia o repasse. O bloqueio quebra os estados e os municípios. Então, os municípios e os estados controlam o Congresso, e fica difícil aprovar alguma coisa”, diz o advogado.
A solução, segundo Velloza, é a centralização da arrecadação na União, que seria a responsável pelo correto repasse. Essa medida também ajudaria, diz, na racionalização de pagamentos tributários pelas empresas.
Porém, essa centralização não quer dizer imposto único, explica o advogado: “No ISS, por exemplo, o controle do que é devido seria mais fácil se houvesse um recolhimento centralizado. É só pegar a planilha e dividir ali, a receita, aplicar o imposto. O problema da última mudança no ISS é que as empresas estão preocupadas com o custo operacional disso”.
Confira a entrevista:
ConJur — O que o senhor acha da reforma tributária que tem sido debatida mais recentemente?
Rubens Velloza — A grande dificuldade dessa reforma tributária é que ninguém confia nos eventuais resultados. Nenhum ente confia que vai receber os repasses dos tributos. Um exemplo são os problemas que vieram com a mudança no ISS, principalmente para operadoras de cartão de crédito. O problema dos cartões não é nem pagar o imposto, é como pagar, porque não há como fazer pagamentos mensais em cinco mil municípios.
Hoje, a arrecadação de ICMS e de ISS vai direto para o município, e a administração municipal, vira e mexe, está devendo pra União, não paga os juros, o acordo da dívida, e aí o governo federal bloqueia o repasse. O bloqueio quebra os estados e os municípios. Então, os municípios e os estados controlam o Congresso, e fica difícil aprovar alguma coisa.
ConJur — Então o melhor modelo seria focar na União, que faria esse repasse?
Rubens Velloza — Exatamente. Uma centralização do recolhimento.
ConJur — Como se fosse um imposto único?
Rubens Velloza — Não precisa ser um imposto único. No ISS, por exemplo, o controle do que é devido seria mais fácil se houvesse um recolhimento centralizado. É só pegar a planilha e dividir ali, a receita, aplicar o imposto. O problema da última mudança no ISS é que as empresas estão preocupadas com o custo operacional disso.
ConJur — Essa centralização também valeria para o ICMS?
Rubens Velloza — Também, e a União distribuiria essa arrecadação.
ConJur — E quando a carga passa por mais de um estado?
Rubens Velloza — Também, e o ICMS teria que ser um imposto mais racional, mais dinâmico.
ConJur — O que esperar de uma eventual reforma do Imposto de Renda?
Rubens Velloza — A argumentação de que as alíquotas são baixas é verdadeira. Se pegar as alíquotas ao redor do mundo para pessoa física, elas são maiores. Agora, no atual sistema em que você paga uma quantidade grande de impostos do consumo, é onerar demais. Não tem como aumentar a carga tributária para nenhum lado o que precismos é mudar a estrutura. Isso já seria perfeito.
ConJur — Como, por exemplo?
Rubens Velloza — Desonerar o consumo e aumentar a tributação sobre a renda. Porque o que se tem aqui no Brasil é que a tributação saiu da renda para o consumo. Nós tivemos uma grande reforma tributária em 1988, uma grande simplificação. Antigamente, tinha cédulas para cada faixa de tributação. Apesar de a mudança ter facilitado a tributação, se criou uma tributação que onera em 27,5% a maior alíquota da pessoa física e outra que onera de 15% a 22,5% ganho de capital, rendimentos do capital. Já é um contrassenso tributar mais o trabalho do que o capital.
Além disso, acabou-se levando essa deficiência de caixa para o consumo, que é o PIS/Cofins, que não existia. O PIS passou a ser da maneira como ele é de 1988 para 1989, o Cofins foi criado da maneira que ele é hoje no começo dos anos 1990. Foi feita essa migração, mas o correto seria fazer o contrário, migrar da tributação do consumo para uma mais da renda. Só que aí surgem alguns problemas, por exemplo, dificuldade de fiscalização, que é uma ineficiência da Receita Federal.
ConJur — A previdência precisa mesmo de reforma?
Rubens Velloza — Se pegarmos apenas arrecadações em centros urbanos, ela caminha para o déficit. Mas, atualmente, o problema é o funcionalismo público. E quem está brigando mesmo para não ter a reforma é o funcionalismo público, onde o Judiciário inclusive é um grande componente. Porque não tem muito sentido essa sistemática do funcionalismo público ser diferente. Dizem que “não, mas eles colaboram com mais”. Isso é verdade, mas, mesmo assim, o benefício que volta é totalmente desproporcional.
ConJur — O que acha da tributação sobre downloads no Brasil?
Rubens Velloza — Antigamente, para comprar um programa como o Word, era preciso ir à loja, e aí se dava a tributação. O melhor sistema seria o do livro digital, que você baixa, mas a compra efetiva é do direito autoral, que lhe permite ler quando quiser. É preciso uma tributação que sirva como uma espécie de royalty.
ConJur — O que acha da tributação sobre agências de notícia?
Rubens Velloza — Teria que ser isento, não tenho dúvida disso. Porque o objetivo é justamente não permitir que o Fisco onere e, por meio disso, controle a liberdade de informação. Quando falamos da teoria da tributação, há várias finalidades desse imposto. Uma delas é arrecadatória, que é a principal, mas há outras. O IOF, por exemplo, tem muito mais a função de controle cambial do que de arrecadação. Tanto é que o IOF era do Banco Central até 1989.
ConJur — O que achou da reforma no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf)?
Rubens Velloza — O problema atual do Carf não são os novos julgadores dos contribuintes, mas os juízes do Fisco. Porque eles têm muito medo de julgar a favor do contribuinte e depois serem acusados favorecimento.
ConJur — Eles sentem que têm que vestir a camisa do Fisco?
Rubens Velloza — Exatamente. A não ser que seja um caso muito clássico, todas as zonas cinzentas que existiam acabaram em decisões contra o contribuinte.
ConJur — Podemos equiparar essa situação a dos juízes garantistas que acabam perseguidos por suas decisões?
Rubens Velloza — É, exatamente. E não só eles têm medo de sofrer as represálias, como estão mais expostos. O juiz do contribuinte que julga contra o contribuinte é muito menos visado do que o julgador do Fisco que julga contra o Fisco, porque o órgão é do Fisco, não dá para esquecer isso.
ConJur — O que o senhor acha do voto de qualidade no Carf?
Rubens Velloza — A jurisprudência do Carf está sendo bem favorável ao voto de desempate, ou seja, o voto de qualidade não pode prevalecer. Com o fim do voto de qualidade, você pode ter o Carf votando mais rápido. Hoje são inúmeras as votações que terminam em 5 a 4, que é o voto de qualidade. O voto de qualidade está ganhando muitos processos, porque é o Fisco votando a favor do Fisco, sempre.
ConJur — O que acha da responsabilização de advogados por planejamentos tributários?
Rubens Velloza — A Receita começou a endurecer as fiscalizações para se impor um pouco mais. Mas o Fisco está tendo algumas interpretações que não estão corretas tecnicamente, por exemplo, a amplitude da responsabilização tributária, usar alguns artigos do Código Tributário Nacional que falam que responsável é quem tem interesse no fato gerador, como se interesse fosse qualquer coisa.
ConJur — Mas esse interesse seria uma via de mão dupla, porque a Receita também tem interesse na autuação?
Rubens Velloza — Sim, completamente. Mas o artigo que fala da responsabilização e da extensão da responsabilidade não serve para isso, serve para responsabilizar situações em que não está tributando exatamente o contribuinte e sim um condomínio, por exemplo, que um só seja contribuinte. Também serve em uma situação em que pai e o filho estão sendo tributados na mesma sucessão.
ConJur — Então por que essa confusão?
Rubens Velloza — É uma falha de interpretação. O Fisco está usando as armas que ele tem em mãos de maneira exagerada. Ele quer com isso ganhar espaço com o exagero.
ConJur — Quais são vácuos da legislação tributária na área financeira?
Rubens Velloza — Por exemplo, tributação de produtos financeiros novos. O Certificado de Operações Estruturadas (COE) é um instrumento que nasceu com uma dúvida: se ele seria tributado como renda fixa ou como renda variável. O que acontece no campo financeiro é que a coisa é muito bem estruturada, porque o Fisco colocou o banco como responsável e o aplicador como contribuinte. Ou seja, colocou um contra o outro, então ninguém quer assumir uma responsabilidade.
ConJur — O que acha da interpretação do Carf sobre o imposto de renda declarado por grandes esportistas como pessoa jurídica?
Rubens Velloza — Está se usando uma empresa justamente porque ela tem a tributação menor que a pessoa física. E esse é o grande erro dessa situação. Porém, certos tipos de recebimento, por exemplo, direito de imagem, é bem questionável dizer que a pessoa jurídica está cedendo o direito de imagem e não o próprio. No caso dos atletas é muito complicado, porque a pessoalidade está em tudo. Obviamente que há a marca Neymar, a marca Guga, entre outras, mas está tudo ligado à pessoa deles.
Eles argumentam que cederam a imagem para a empresa e a companhia a cedeu para terceiros. É uma linha cinzenta. Não digo que nesses casos o Fisco está totalmente errado. Esse anacronismo sempre acontece aqui no Brasil, por causa do lucro presumido. No exterior ele acontece por causa da tributação altíssima e da tributação dos paraísos fiscais.
ConJur — Onde está o abuso do contribuinte que cria essa empresa e qual o erro do Fisco na interpretação?
Rubens Velloza — O erro do contribuinte que cria a empresa é querer jogar toda a receita para a empresa. Já o exagero do Fisco é dizer que tudo é pessoal e que nada poderia estar na empresa, este balanceamento poderia acontecer.
ConJur — O que acha da decisão do Tribunal Superior do Trabalho de que quando o direito de imagem é superior ao salário recebido o montante deve ser incorporado ao salário?
Rubens Velloza — Se pegarmos um cara como o Tiger Woods [jogador de golfe], por exemplo, provavelmente, o que ele ganhava nos torneios, ele doava, porque o que ele recebia da Nike era muito maior. Para este tipo de cara, a imagem não vale mais do que o salário dele? Teoricamente, sim, porque, mesmo deixando de jogar, ele continua tendo contratos de publicidade. O Pelé já não trabalha mais, mas continua vendendo a imagem dele.
Fonte: ConJur