Advogados da área tributária têm percorrido o Congresso Nacional para tentar barrar a aprovação de um trecho da reforma da Previdência que aumentaria a carga tributária sobre a folha de salários de 27,5%, em média, para até 33%. O movimento busca apoio contra uma mudança no artigo 195 da Constituição Federal, que trata do financiamento da seguridade social.
O impacto, com a alteração prevista para a contribuição patronal, foi projetado pela Associação Brasileira de Advocacia Tributária (Abat) – entidade que está à frente desse movimento. Segundo o presidente, o advogado Halley Henares Neto, vem sendo entregue aos deputados um material com subsídios técnicos que justificam o veto ao trecho.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que foi enviada pelo governo ao Congresso promove uma alteração na alínea “a” do inciso I do artigo 195. Se aprovada, vai definir que a contribuição do empregador seja pela “folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos, devidos ou creditados, a qualquer título e de qualquer natureza, salvo exceções previstas em lei, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício”.
O Valor já havia noticiado em fevereiro que poderia gerar aumento de carga tributária. Isso porque na redação atual do 195 não tem a expressão “de qualquer natureza” e também não constam “as exceções previstas em lei”. A contribuição patronal sobre a folha de salários hoje incide basicamente sobre as verbas de natureza remuneratória.
A mudança na redação desse artigo provocaria um alargamento da base de cálculo. Ficariam abarcadas também as verbas de natureza indenizatória (férias e aviso prévio indenizado, por exemplo), as não habituais, como prêmios e gratificação, e quaisquer outros pagamentos que não sejam de natureza salarial.
A Associação Brasileira de Advocacia Tributária trata essa parte da PEC como o “lado B” da reforma. “O projeto deveria tratar somente de benefícios. A finalidade é reduzir e gerar economia. O lado B é o custeio, ou seja, a tributação, que deve ser discutida em uma reforma tributária”, diz Henares Neto. “Estamos falando de um país que precisa desonerar a folha para aumentar a empregabilidade. É, no mínimo, incoerente provocar um aumento da carga nesse momento”, enfatiza.
Especialista na área tributária, Caio Taniguchi, do escritório Bichara Advogados e também membro da Abat, chama a atenção que a mudança no 195 pode ter impacto direto ao trabalhador. “O empresário, muitas vezes, faz o papel do Estado nas parcelas de saúde, educação e alimentação”, observa. “Se isso integrar a base previdenciária haverá um desincentivo para que mantenham esses benefícios”, complementa o advogado.
Existem duas formas de o assunto ser debatido na Comissão Especial da Reforma da Previdência. Uma delas por meio do relator do projeto, o deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), que pode modificar o artigo no relatório final. A outra, pela proposição de uma emenda. Pelo menos uma que trata do tema foi apresentada até a semana passada, quando se encerrou o prazo final para propor alterações no texto.
Foi apresentada pelo deputado Diego Andrade (PSD-MG). Ele propõe suprimir a expressão “de qualquer natureza” do texto que modifica o artigo 195, I, “a”. O deputado justifica, na emenda, que já há decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o tema.
Os ministros, ao julgarem o RE 565.160, entenderam que da interpretação conjunta dos artigos 201 e 195 da Constituição extrai-se que só deve compor a base de cálculo da contribuição previdenciária a cargo do empregador as parcelas pagas com habitualidade e em razão do trabalho realizado.
Diego Andrade cita ainda que a reforma trabalhista (Lei nº 13.467, de 2017) também tratou do assunto. Consta no parágrafo 2º do artigo 457 que os pagamentos, ainda que habituais, a título de ajuda de custo, auxílio-alimentação, diárias para viagem, prêmios e abonos “não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário”.
O relator pode acatar ou não a sugestão de mudança ao texto da PEC. Se ele acatar, a emenda é incluída no relatório que será votado pelos 49 deputados membros da comissão. Se ele não acatar, o autor da emenda ou qualquer outro parlamentar pode pedir destaque, que levaria a proposta ser analisada e votada de forma individualizada pela comissão.
E mesmo que o texto não passe na comissão há ainda um último recurso, que é levar a discussão ao Plenário. No dia da votação da PEC, os parlamentares podem pedir destaque à emenda rejeitada e ela irá à votação. Por isso, a peregrinação dos advogados pelos gabinetes dos parlamentares e a tentativa de convencê-los a mudar o que está sendo proposto pelo governo federal.
Para o advogado Pedro Ackel, do escritório WFaria e membro da Abat, seria melhor que os dois assuntos – a Previdência propriamente dita e a tributação – fossem tratados em momentos diferentes. “Não se teve a reflexão necessária sobre essa parte de custeio. A reforma da Previdência tem como objetivo diminuir o custo, mexer em benefícios. 95% dela é sobre isso. Se tratar de tributação em meio a isso tudo vai tratar mal”, diz.
A Abat tem uma proposta de ampliação da base de cálculo, mas que prevê uma contrapartida. O presidente da associação, Halley Henares Neto, cita um modelo de alíquotas regressivas, de 11% a 15%, que seriam aplicadas a três faixas diferentes. A variação teria como base dois critérios: o total da folha, em valores, e o número de empregados da empresa.
“Dessa forma, aquele contribuinte que paga mais e paga melhor na relação per capta para o seu empregado consegue ter uma tributação menor mesmo que a base de cálculo seja ampliada”, afirma. “Haveria uma simplificação do sistema, diminuiriam os litígios e as empresas teriam condições de contratar mais empregados, o que provocaria aumento na arrecadação”, acrescenta, ponderando que a questão deveria ser discutida em projeto específico.
O Ministério da Economia foi procurado pela reportagem para se manifestar sobre o trecho da PEC que modifica a redação do artigo 195 e informou apenas “que se trata de um mero ajuste pra resolver controvérsia judicial”.
Fonte: Valor Econômico