A suposta inviabilidade técnica de submissão de questões tributárias à arbitragem leva à equivocada e apressada conclusão de que se trataria de debate meramente acadêmico, sem grandes impactos práticos, pois que dependente da edição de lei específica.
A inexatidão dessa visão limitativa decorre do fato de grande parte dos tributaristas não atuarem efetivamente em arbitragens – da mesma forma que restrita parte dos arbitralistas tem expertise tributária.
Do foco no empirismo de ambos os segmentos – arbitragem e tributário -, conjugado a uma interpretação sistemática através de um prisma holístico do sistema brasileiro, porém, exsurge um novo olhar, liberto de preconceitos e barreiras supostamente intransponíveis.
Parcelamentos especiais como Refis, Paes e Pert comprovam a disposição do crédito tributário pela própria Administração Pública
Partimos assim da classificação da arbitragem tributária quanto: ao tempo (preliminar ou subsequente à constituição do crédito tributário), ao mérito (direta ou indiretamente analisa fatos tributários) e à sua abrangência (interna, internacional estatal, e internacional mista).
Referida categorização permite demonstrar: a arbitrabilidade objetiva da matéria tributária; exemplos notórios de disposição do crédito tributário pela Administração Pública; sentença arbitral como forma de extinção do crédito tributário no CTN; existência de lei que indicou autoridade competente para realizar transações tributárias; e existência de formas indiretas de arbitragem tributária no Brasil.
Quanto ao primeiro aspecto, questionamentos como se o crédito tributário seria disponível, e portanto arbitrável, são substituídos pela compreensão do que é crédito tributário, uma vez que, antes de sua efetiva constituição e inscrição em dívida ativa, não se pode falar em crédito – cuja constituição depende do esgotamento do prazo fixado para o pagamento ou de decisão final proferida em processo regular (art. 201 do CTN) -, mas apenas do ato de aperfeiçoamento do lançamento (art. 142 do CTN), que culminará, ao final do procedimento administrativo (art. 145), na constituição do crédito tributário.
Antes da sua total constituição não há crédito tributário efetivo, mas expectativa de validação da pretensão expressa no auto de infração, tanto que com frequência a pretensão fazendária é reduzida e até cancelada pelos julgados de órgãos como Carf, TIT, e CMT, que não poderiam assim agir caso estivessem lidando com um direito indisponível.
No que tange à segunda questão, também não há como sustentar estar-se diante de um direito indisponível, mesmo após a constituição efetiva do crédito.
Basta recordar dos parcelamentos especiais como Refis, Paes, Pert, que comprovam a disposição do crédito tributário pela própria Administração Pública, uma vez que deixam a cargo do contribuinte, através do texto da lei que os cria, a escolha da extensão da redução da multa, a depender da quantidade de parcelas.
Se considerarmos que a inobservância da obrigação acessória se converte em principal (art. 113, § 2º e 3º, do CTN), bem como que apesar da multa não estar contida no conceito de tributo (art. 3º do CTN), o crédito tributário é composto tanto por este quanto por aquela e pelos juros (2º, § 2º da Lei de Execuções Fiscais), quando as leis sobre parcelamentos especiais deixam a cargo do contribuinte a escolha do percentual de redução de multa, aloca em suas mãos a disponibilidade do crédito tributário.
Quanto ao terceiro aspecto, não há como negar que a arbitragem é hipótese de extinção do crédito tributário prevista no próprio CTN.
Basta atentar para o fato de que a decisão judicial transitada em julgado extingue o crédito tributário (art. 156, X, do CTN), e que a sentença arbitral é equiparada a título executivo judicial (art. 31 da Lei Brasileira de Arbitragem), ou seja, justamente, à decisão judicial transitada em julgado (art. 515, inciso VII, do CPC). Para implementação, bastaria que as partes formalizassem um negócio jurídico processual, tal como previsto nos arts. 190 e 191 do CPC.
O quarto tópico consiste em conectar a previsão de transação tributária constante do art. 171 do CTN, que reservou à lei a indicação da autoridade competente para autoriza-la, com a previsão advinda da reforma da lei de arbitragem de 2015 (art. 1º, § 2º), suprindo tal lacuna ao apontar a autoridade competente da administração pública direta para celebrar transações como sendo a mesma que celebrar a convenção de arbitragem.
Por fim, de modo a comprovar a existência de formas reflexas, há a arbitragem tributária indireta, hipótese através da qual se analisa as implicações tributárias contidas em uma sentença arbitral.
A simplicidade dessa alegação advém da máxima de que cada sentença arbitral pode configurar um novo fato jurídico tributário, sendo que o tribunal arbitral deve se conscientizar dos efeitos e implicações que cada decisão pode provocar.
Um exemplo encontra-se refletido na decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no CC 149.520/GO (2016/0285362-9) -que não tramita em segredo de justiça – pela qual o tribunal arbitral vislumbrou que caso alterasse a titularidade do bem em debate, teria que considerar que uma parte estava sediada em Estado com benefício fiscal, implicando em redução da base de cálculo e diferimento do imposto.
Dessa maneira, o tribunal arbitral levou em consideração a incidência tributária dos efeitos de sua decisão (e-STJ, fl. 2.776), posto que se modificassem referida propriedade teriam que lidar com as obrigações de retificação dos livros fiscais e contábeis para a correta apropriação do crédito tributário.
Os exemplos colacionados servem de base para que o debate da arbitragem tributária extrapole as interpretações ordinárias, demonstrando as inúmeras opções inerentes ao instituto, que ultrapassou, e muito, a simples resolução direta de conflitos entre particular e Administração Pública.
Por Marcelo R. Escobar
Fonte: Valor Econômico