No julgamento do Recurso Extraordinário 593.849/MG, com repercussão geral, ocorrido em outubro de 2016, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu o direito de o contribuinte substituído na cadeia de substituição tributária restituir-se do valor do ICMS-ST recolhido a maior, na hipótese de comprovação de que a base de cálculo presumida tenha sido superior ao preço final de venda praticado ao consumidor.
No julgado de 2016 ficou evidenciado o entendimento de que seria vedado o enriquecimento ilícito tanto por parte do Estado quanto por parte do próprio contribuinte, ou seja, nas hipóteses em que a base de cálculo presumida fosse inferior ao preço de venda, seria também devido o complemento do imposto.
Vale destacar que a decisão proferida tinha por objeto a discussão sobre a constitucionalidade ou não da cláusula segunda do Convênio ICMS nº 13/97, que vedava a restituição ou a cobrança complementar do ICMS na sistemática da substituição tributária.
Com a exigência do valor complementar do tributo abre-se um novo capítulo de insegurança jurídica e de vários questionamentos
A constitucionalidade da norma foi confrontada com o dispositivo contido no §7º do art. 150 da Constituição Federal, que por sua vez assegura ao contribuinte a restituição caso não se realize o fato gerador presumido.
Com base nesse dispositivo, o STF adotou um entendimento extensivo para, além de assegurar o direito de restituição quando o fato gerador não se realiza no todo, também considerar devida a complementação do imposto caso o fato gerador não se realize em parte, ou seja, quando o preço de venda do produto a consumidor for inferior à base de cálculo presumida nos critérios estabelecidos pela legislação estadual.
Importante se destacar que o texto constitucional não faz menção expressa à necessidade de complementação do imposto e que, portanto, não haveria razão para que contribuintes nessa situação se preocupassem em recolher tais diferenças, em princípio.
Ocorre que, após o trânsito em julgado da referida decisão do STF, vários Estados, mediante a edição de leis e decretos, passaram a incorporar na respectivas legislações estaduais os efeitos da restituição do imposto, nas hipóteses em que o preço de venda se mostra inconsistente com o valor da base de cálculo praticada, prevendo não apenas a hipótese de restituição do tributo como também a necessidade da complementação do ICMS-ST.
Nesse sentido, merecem destaque as alterações legislativas ocorridas nos estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul que já realizaram a edição de normas prevendo a obrigatoriedade de complementação do ICMS-ST nos casos em que o valor de venda ao consumidor final for inferior àquele estimado para a cadeia de substituição.
Dentre essas alterações, chama atenção a legislação paranaense que, não obstante a introdução da cobrança do valor complementar, ainda prevê que a exigência seria aplicável para os fatos gerados ocorridos desde 20 de outubro de 2016, data do julgamento do citado recurso extraordinário, no qual se fixou a modulação dos efeitos.
A interpretação do Estado foi no sentido de que a decisão, que teve sua modulação dos efeitos a partir da referida data, teria um efeito “duplo”, permitindo tanto a restituição quanto a complementação do imposto.
Vale destacar que a legislação estadual já previa a possibilidade de restituição do imposto, mesmo antes da legislação supracitada, nos termos do caput do art. 31, transcrição de trecho do §7º, do art. 150, da Constituição Federal.
Resta então pendente a discussão se a Lei Estadual, ao exigir a complementação do imposto, afronta o texto constitucional, podendo ser objeto de nova discussão judicial, ou se essa matéria já estaria pacificada pela decisão proferida pelo STF em 2016 – ocasião em que, vale lembrar, a questão da complementação foi amplamente discutida nos votos dos ministros da Suprema Corte.
Seja como for, sendo o complemento uma novidade no ordenamento jurídico, faz bastante sentido a argumentação de que, nos termos da Constituição Federal, a referida exigência deveria, no mínimo, respeitar a anterioridade tributária. Nesse sentido, o art. 6º da Lei nº 19.595 só poderia produzir seus efeitos a partir de 2019.
De uma forma mais conservadora, seria possível apurar os valores a serem restituídos considerando as parcelas complementares, de forma a garantir um crédito imediato e inquestionável aos contribuintes, podendo-se discutir judicialmente o montante da parcela complementar.
Outro tema, não menos importante, que chama a atenção sobre o complemento, refere-se às empresas que possuem saldo credor acumulado de ICMS, em especial quanto à possibilidade da utilização desse crédito para pagamento de eventual diferença à complementação apurada.
Isso porque, com exceção dos acordos firmados entre contribuintes e os Estados, por meio de regime especial, é vedada a utilização de saldo credor de ICMS para pagamento de ICMS-ST, uma vez que as apurações não se cruzam.
Contudo, no caso do contribuinte substituído que realiza a venda a consumidor final, o ICMS retido na forma de substituição tributária representa o ICMS próprio de sua operação. Dessa forma, entendemos que, caso o contribuinte possua saldo credor para compensar com o débito dos valores complementares, o mesmo poderá utilizá-los para abatimento do montante complementar apurado.
Corroborando esse entendimento, o fato é que se os valores a serem restituídos podem ser lançados a crédito em conta gráfica, também os valores complementares poderiam sê-los, a débito, permitindo a imediata compensação com o saldo credor.
Em conclusão, com a exigência do valor complementar do tributo abre-se um novo capítulo de insegurança jurídica e de vários questionamentos que devem chegar ao Poder Judiciário acerca da aplicação do regime de substituição tributária, estando a matéria ainda longe de estar pacificada.
Fonte: Valor Econômico