Criado para descomplicar o recolhimento de impostos e reduzir a carga tributária de micro e pequenas empresas, o Simples Nacional beneficia 223,7 mil empreendedores do Distrito Federal. Mas parte desses optantes usa o sistema de forma irregular, apenas para sonegar tributos. Empresas que ultrapassaram o patamar de faturamento anual de R$ 4,8 milhões estabelecido para o enquadramento no Simples Nacional estão fracionando o lucro com a criação de novas firmas, muitas em nome de laranjas, para se manter no regime simplificado de tributação. A prática tem sido recorrente no DF, sobretudo entre grupos do setor de terceirização de mão de obra, limpeza e conservação. Além da exclusão do Simples Nacional, a prática irregular pode levar à cobrança retroativa de impostos. A Receita Federal analisa denúncias contra empresas do ramo de locação de mão de obra do Distrito Federal.
Em vez de simbolizar um bom momento econômico, o crescimento de empresas no Simples Nacional pode esconder uma fraude nociva aos cofres públicos. No DF, o total de optantes do regime cresceu 81% nos últimos cinco anos — de 123,3 mil, em 2012, para 223,7 mil, segundo o último levantamento.
A forma de burla ao sistema de arrecadação do Simples Nacional normalmente segue as mesmas diretrizes. Quando uma empresa ultrapassa o teto de faturamento estabelecido pela Receita Federal para o enquadramento no regime, um empresário abre novas microempresas em nome de laranjas — familiares ou funcionários de confiança. Analisadas isoladamente, essas firmas têm faturamento dentro dos patamares do Simples Nacional. Mas, se avaliado o lucro de todo o grupo empresarial, os valores extrapolam o teto do sistema simplificado de arrecadação.
Entre os conglomerados do segmento de terceirização de mão de obra, limpeza e conservação denunciados ao Fisco por indícios de adesão à prática está o grupo Sollo Serviços. Ele é formado por seis empresas, todas com nomes fantasias semelhantes, das quais duas, criadas em 1988 e 1997, não são optantes do Simples Nacional, e quatro, abertas de 2015 para cá, estão dentro do regime simplificado de tributação. Cinco delas estão sediadas no mesmo endereço, um escritório no Setor Complementar de Indústria e Abastecimento.
O dono do grupo é o empresário Carlos Alexandre Martins Hoff, mas seu nome só aparece no quadro societário de três empresas. Todas prestam os mesmos tipos de serviços e têm a mesma logomarca. A reportagem procurou o grupo para falar sobre a denúncia registrada na Receita, mas ninguém retornou até o fechamento desta edição.
Lucro real
A lei que criou o Simples Nacional veda a inscrição no regime de empresas de cessão ou locação de mão de obra. As únicas exceções são atividades de vigilância e de limpeza e conservação. Serviços como zeladoria, portaria, jardinagem, garçom, copeira, eletricista ou recepcionista não podem ser prestados por empresas cadastradas no Simples, somente por firmas enquadradas no regime de lucro real ou presumido.
As empresas do grupo Sollo são contratadas por dezenas de condomínios residenciais do Distrito Federal, a maioria no Plano Piloto, e também já fecharam contratos com órgãos públicos, como o Ministério do Trabalho, o Tribunal Regional Eleitoral (TRE-DF) e o Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF). No caso dos contratos com instituições públicas, os acertos são fechados com as empresas do grupo que não são optantes do Simples Nacional.
A licitação do TCDF, vencida pela Sollo, prevê repasses de R$ 1,3 milhão por ano por serviços de copa. No Conselho Nacional de Justiça, a firma foi contratada por R$ 696,7 mil para a terceirização de estoquistas e carregadores.
Para participar de licitações públicas, o grupo apresenta contratos firmados por várias das empresas do conglomerado, entre elas a Construções e Serviços Sollo Ltda. e a Sollo Soluções Empresariais, que são enquadradas no Simples e têm contratos com condomínios privados para prestação de serviços como portaria e de auxiliares de serviços gerais. Os contratos das microempresas fracionadas são usados na comprovação de capacidade econômico-financeira para atender órgãos públicos. No critério das concorrências públicas, quanto mais clientes comprovados, maior a competitividade da empresa no certame. Em algumas situações de contratos privados, condomínios residenciais são cúmplices da fraude, pois aceitam pagar valores menores, se os serviços forem prestados pelas firmas enquadradas no Simples.
A Receita Federal recebeu em agosto a denúncia sobre a existência de crimes fiscais no mercado de serviços terceirizados do DF – fraude que se repete em outras unidades da Federação. A reportagem procurou a assessoria de imprensa da Receita diariamente, desde a última terça-feira, mas, até o fechamento desta edição, não obteve retorno.
Propósito
O presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, João Eloi Olenike, diz que essas operações de fracionamento de empresas devem ter uma explicação que vá além da economia de impostos. “Esse planejamento tem que ser revestido não só de economia tributária, mas de outros aspectos que a gente chama de propósito negocial. Se a Receita verificar que não há propósito e que esse fracionamento foi feito única e exclusivamente para não pagar impostos, pelo Código Civil isso está caracterizado como simulação e a empresa fica sujeita a ter lançada toda a tributação não recolhida”, diz.
“Na gíria técnica tributária, a gente chama essas empresas de filhotinhos do Simples. Quando chegam perto do limite de faturamento, acabam abrindo outras empresas e descarregando lá o faturamento para que as outras fiquem enquadradas no regime”, compara o especialista. “Mas, para que não haja problemas com a Receita, os filhotinhos do Simples não podem ter a cara da mãe. Eles devem ter sócios diferentes, endereços distintos, não pode haver vínculo direto ou indireto com a empresa, para não caracterizar simulação”, diz João Eloi.
Segundo o presidente do IBPT, essas empresas fracionadas usam nomes quase idênticos, os mesmos locais e, às vezes, até o mesmo logotipo. “Essa economia pode sair cara, tudo isso caracteriza simulação com efeitos de sonegação fiscal.
Depois, o valor devido é cobrado como se não houvesse aquela empresa filhote, jogando o faturamento para a principal.”
Na análise de um caso flagrado recentemente no Paraná, a Delegacia da Receita Federal de Julgamento em Curitiba decidiu pela exclusão de várias empresas do mesmo grupo do Simples, com cobrança retroativa de impostos. “A criação de várias empresas individuais, que ocupam um mesmo espaço físico, desenvolvem o mesmo objeto social, utilizam os mesmos colaboradores e maquinários, e cujos sócios possuem grau de parentesco ou afinidade entre si, objetivando reduzir custos, usufruir tributação privilegiada e pulverizar receitas, caracteriza constituição de grupo econômico e impede opção pelo Simples.”
Exclusão
Em outra situação apreciada no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), o colegiado seguiu o mesmo entendimento. “Comprovado que a pessoa jurídica foi constituída por interpostas pessoas que não eram os verdadeiros sócios, a exclusão do Simples Nacional dá-se por ofício”, determinou o Carf.
Somados, o ICMS e o ISS tributados de empresas do Simples do DF já renderam aos cofres públicos locais R$ 271 milhões este ano. O coordenador de Cadastro e Lançamentos Tributários da Receita do DF, Márcio Silva Gonçalves, reconhece que a fraude de fracionamento de empresas para driblar o teto do Simples é de difícil detecção, mas acrescenta que há mecanismos de verificar a existência de empresas em nome de laranjas. “Com ações de fiscalização, é possível identificar casos de sonegação. Aqui no DF, excluímos, só em setembro, mais de 6 mil empresas com débitos com a fazenda do DF”, diz Márcio.
R$ 179,3 milhões
ICMS recolhido por meio do Simples e repassado ao DF só este ano
223,7 mil
Total de empresas do DF optantes do Simples
R$ 4,8 milhões
Teto de faturamento para que uma empresa seja enquadrada no Simples
Correio Braziliense