CPC 47 (Receita de Contrato com Cliente): Quais os efeitos tributários para as novas normas exigidas a partir de 2018. Uma análise preliminar da minuta de norma disponibilizada pela Receita Federal.
Esta coluna teve origem numa série de 6 artigos que tinha como objetivo analisar os impactos tributários da nova norma contábil para o reconhecimento de receitas (Pronunciamento CPC nº 47 – CPC 47), publicada em dezembro de 2016. Naquela oportunidade chamamos a atenção para 5 pontos de contato entre o CPC 47 e a tributação pelo IRPJ, CSLL, PIS, COFINS, ICMS e ISS:
(i) condições para o reconhecimento das receitas;
(ii) receitas de terceiros;
(iii) operações de permuta;
(iv) natureza das receitas (operacionais, não operacionais e financeiras) e
(v) segregação das obrigações contratuais assumidas.
Alertamos à época sobre a incerteza da neutralidade dos referidos impactos tributários, pois todos os aspectos do CPC 47 que foram analisados nesta série já estavam previstos no Pronunciamento CPC 30, de 2009, com alterações em 2012, anterior, portanto, à Lei nº 12.973, de 2014 (Lei 12.973), mas por ela não regulado.
Apenas para relembrar essa celeuma: após a edição da Lei n. 11.638, de 2007, que promoveu as alterações necessárias na legislação brasileira para que pudéssemos passar a seguir o padrão internacional de contabilidade, os tributos federais seguiram o princípio da neutralidade.
Somente a partir de 2014, com a publicação da Lei 12.973, é que houve expressa regulação dos limites entre o suporte contábil e a constituição dos fatos jurídicos tributários. É claro que a Lei 12.973 só pôde regular os efeitos das normas contábeis que existiam à época de sua publicação.
De acordo com o art. 58, alterações posteriores ou novas normas deveriam ser consideradas neutras até que a legislação tributária as regulasse expressamente. Pois bem: o CPC 47 (2016) é claramente posterior à Lei 12.973 (2014) e, portanto deveria ser neutro; mas a última versão do CPC 30, que é de 2012, já continha, de modo mais genérico, todos os tópicos que analisamos: condições que impunham o não-reconhecimento de receita, orientações para identificação de receitas de terceiros, reconhecimento de receitas em operações de permuta etc.
A Lei 12.973 não regulou de forma sistematizada os impactos tributários do CPC 30 (já vigente à época), tratando de apenas alguns poucos aspectos:
(i) a inclusão dos tributos sobre vendas e do ajuste a valor presente no conceito de receita bruta e
(ii) diferimento da tributação da parcela do valor justo reconhecida contabilmente em operações de permuta equiparadas à compra e venda, quando a pessoa jurídica estiver no lucro real.
Todo o resto, de acordo com a interpretação do art. 58 da Lei 12.973, poderia ser tratada tributariamente tal como regulava a norma contábil.
A confirmação dessa conclusão e a interpretação da Receita Federal sobre o CPC 30 (anterior à Lei 12.973) e o CPC 47 (posterior à Lei 12.973, mas com poucas inovações efetivas em relação ao CPC 30) estavam sendo ansiosamente aguardadas.
Em 13 de setembro passado, finalmente foi colocada uma minuta de norma em audiência pública, com prazo para envio de sugestões de 13 dias corridos. O tempo era exíguo para análise, debates e envio de comentários. Nas oportunidades que tive manifestei minha opinião sobre a minuta, que resumo neste artigo.
Em primeiro lugar, entendo que caberia à esta norma resolver o “limbo tributário” entre o CPC 30 e o CPC 47. Sabemos que a conclusão lógica a partir do art. 58 da Lei 12.973 é a de que o reconhecimento contábil de receitas (com exceção dos poucos pontos regulados expressamente) não estaria neutralizado.
Entretanto, essa interpretação não deixa as empresas seguras, pois sabe-se que a não-regulação do CPC 30 pela Lei 12.973 decorreu muito mais de um equívoco ou da falta de profundidade da norma contábil, o que dificultava seu real entendimento, inclusive por parte da Receita Federal, do que da intenção de convergir interpretações contábil e tributária.
Em segundo lugar, nota-se que grande parte da exposição de motivos e da própria normatização está dedicada a reforçar a autonomia do conceito de receita bruta para fins tributários. Honestamente, tenho dúvidas sobre os efeitos práticos dessa atual diferenciação.
Para a legislação tributária, a receita bruta é o produto da atividade ou objeto principal da pessoa jurídica e inclui os tributos sobre vendas (ICMS, ISS, PIS e COFINS). Para a contabilidade, a receita do CPC 47 é aquela que surge no curso das atividades usuais da entidade, não abarcando as receitas financeiras e as decorrentes de venda de ativo imobilizado, por exemplo.
Nota-se, na essência, grande identidade (e até utilidade dos parâmetros contábeis) entre a receita do CPC 47 e o conceito de receita bruta. Quanto aos tributos sobre vendas, que estão excluídos para fins contábeis, tudo indica que seguirão o mesmo caminho para fins tributários. O assunto está praticamente resolvido no Supremo Tribunal Federal e, portanto, esse elemento diferenciador tende a se esvair.
Em terceiro lugar, extrai-se que a ideia da Receita Federal é dar neutralidade ao CPC 47, por meio de ajustes feitos em subcontas. Contudo, não está claro o modo pelo qual esse ajuste será apurado, pois a norma menciona que nas subcontas devem ser controladas as diferenças entre a receita reconhecida de acordo com o CPC 47 a “receita que teria sido reconhecida e mensurada conforme os critérios contábeis anteriores”.
Ora, qual o critério contábil anterior? Essa resposta é fundamental, pois se o entendimento da Receita Federal for o de que a norma contábil anterior é o CPC 30, pode não haver ajuste a ser feito (já que o CPC 47 é um “CPC 30 detalhado”). E, se não for o CPC 30, qual será? Voltamos ao momento de emissão da Nota Fiscal? (o que não é propriamente um critério contábil, pode variar de empresa para empresa e pode, inclusive, seguir o racional do CPC 30 e do CPC 47, o que seria muito razoável).
Sem dúvida que o assunto é complexo, mas o primeiro e o terceiro ponto precisam ser levados em consideração na produção final da norma tributária, sob pena de alimentarmos o estado de insegurança jurídica e, consequentemente, piorar o ambiente de negócios, inflando o contencioso tributário brasileiro.
Vanessa Rahal Canado
Fonte: Jota Info