A reforma tributária dos EUA pode afetar o Brasil?


Aprovada pelo Senado, a reforma tributária nos Estados Unidos deve alterar drasticamente o sistema tributário americano e aumentar a competitividade corporativa em bases internacionais através da redução das alíquotas de imposto de renda corporativas. Mas será que essas mudanças podem afetar o Brasil?
 
 
O JOTA conversou com especialistas em direito tributário para saber se a reforma norte-americana pode impactar a reforma brasileira e se o Brasil deve se espelhar em algum ponto da reforma americana.
 
 
Trata-se da maior reforma tributária dos EUA desde a década de 1980. O governo de Donald Trump considera a nova regra como a maior redução de impostos da história, apostando que as alterações devem aumentar os salários e o lucro das empresas.
 
Os objetivos da reforma americana são elevar a atratividade para investimentos nos EUA tanto por corporações internacionais como pelas multinacionais americanas, que viam vantagens em investir fora dos Estados Unidos.
 
A advogada Glaucia Lauletta Frascino, sócia do Mattos Filho, não acredita que possa haver um impacto direto da reforma americana na reforma brasileira. No entanto, aponta que os Estados Unidos é o país de origem dos maiores investimentos estrangeiros no Brasil e por isso o fato deles terem regras de tributação mais favoráveis a investimentos poderá ser utilizado para enfatizar a necessidade de mudanças no Brasil.
 
“A mudança nos EUA pode ser mais um elemento de sensibilização de nossos legisladores em relação a um tema tão sensível no País, pois, tanto quanto lá, a reforma tributária brasileira também tem como um dos seus objetivos o aumento da competitividade do país, o crescimento econômico e a geração de empregos”, afirmou.
 
Já o advogado Murilo Melo, sócio da KPMG, afirmou que se a reforma tributária norte-americana deve atingir os objetivos desejados, como aumento da competitividade, a atração de novos investimentos e a geração de emprego, e poderá influenciar as discussões sobre a reforma fiscal brasileira. “No entanto, vale lembrar que o sistema tributário brasileiro possui características únicas, especialmente no que tange à tributação indireta, muito diferente do modelo norte-americano”, afirmou.
 
Diferenças x similaridades
 
Para Glaucia Frascino, a grande diferença entre as duas reformas tributárias – americana e brasileira – é o perfil de sistemas tributários de ambos os países.
 
“O sistema tributário brasileiro é extremamente complexo, com vários tributos sendo exigidos por entes políticos distintos – União, estados e municípios. Como consequência temos que, no Brasil, a aprovação da reforma vai muito além da análise de seus efeitos práticos em termos de arrecadação e estímulo à economia; será necessária uma nova composição entre os entes políticos que redefina competências, arrecadação e repartição de recursos”, explicou.
 
Além disso, a advogada defende que quando um país reduz a tributação corporativa como instrumento de atratividade de investimentos pretende que, a médio e longo prazo, esses investimentos signifiquem arrecadação ainda maior, além de geração de empregos e estabilidade social.
 
Apesar de ainda não ser possível saber quais serão os resultados efetivos da reforma tributária americana, Frascino afirma que o Brasil já poderia se espelhar em algumas ideias das novas regras americanas.
 
“Seria muito interessante se as autoridades brasileiras trocassem o discurso uníssono de que a arrecadação deve aumentar sempre à custa de aumento de tributos pela ideia de que o próprio crescimento da economia pode provocar em si aumento de arrecadação a médio e longo prazo”, afirmou.
 
Segundo o advogado Vinicius Pimenta Seixas, do Pinheiro Neto Advogados, nos Estados Unidos, assim como no Brasil, existia a reclamação quanto ao tamanho da carga tributária aplicável às pessoas jurídicas. No entanto, para ele, no caso brasileiro a discussão sobre a redução da carga tributária deve ser vista com “parcimônia”. Isso porque, afirmou, embora o imposto geralmente aplicável à renda das empresas brasileiras seja de 34%, essa alíquota não está em desconformidade com a média dos países da OCDE (Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico).
 
“A questão mais preocupante no Brasil se refere à chamada carga tributária indireta, aplicável principalmente sobre o consumo, que é bastante superior àquela aplicada nos Estados Unidos. O mais grave é que, via de regra, não existe progressividade na tributação sobre o consumo no Brasil, o que significa que as pessoas são submetidas à mesma carga tributária sobre o consumo, independentemente de suas condições financeiras, o que naturalmente perpetua e agrava o quadro de desigualdade”, afirmou.
 
Outra diferenciação apontada por Seixas é que grande parte das mudanças discutidas na reforma americana são decorrentes da premissa de que empresas americanas investem pelo mundo inteiro, e parte dos lucros obtidos não são trazidos ou reinvestidos ao país, o que não é o caso do Brasil, que é um país que predominantemente recebe investimentos.
 
“A reforma fiscal no Brasil tem uma pauta própria, e geralmente discute problemas típicos enfrentados pelo sistema tributário brasileiro, como, por exemplo, o elevado número de obrigações acessórias e a necessidade de simplificação; a excessiva tributação sobre o consumo, e possibilidade de unificação de alguns tributos e a guerra fiscal entre os estados”, ressaltou o advogado.
 
Reforma tributária americana
 
A reforma tributária dos EUA representa mudanças drásticas em todo o sistema tributário americano. Um dos principais debates é em relação à redução do Imposto de Renda aplicável às empresas, que caiu de 35% para 21%. Segundo Seixas, de um lado o presidente Donald Trump e seus apoiadores defendem que uma carga tributária menor significa mais investimento. Sendo assim, afirma, mais investimento significa equipamentos mais novos, mais treinamento para trabalhadores, maiores salários e eventualmente mais empregos.
 
No entanto, segundo o advogado, existe a preocupação com o déficit que a perda de arrecadação de 14% do Imposto de Renda sobre as empresas vai gerar, além de um “ceticismo” sobre se realmente esses cortes vão se traduzir em investimentos, como maiores salários, ou se simplesmente serão incorporados aos lucros das empresas.
 
A reforma americana ainda prevê o chamado “Repatriation Toll Charge”, um imposto de renda a uma alíquota bem menor aplicável a determinadas empresas americanas que repatriarem determinados lucros acumulados no exterior.
 
Outro ponto polêmico da reforma é a mudança do sistema de tributação universal da renda que era aplicado nos EUA para um sistema territorial. Por conta do sistema de tributação universal com diferimento, existe um incentivo para determinadas empresas americanas manterem parte dos seus lucros exterior, de forma a evitar tributação na repatriação.
 
“Adotando o sistema de tributação territorial, empresas americanas vão ser capazes de repatriar lucros que já foram devidamente tributados em outras jurisdições, sem ter que submetê-los à tributação nos Estados Unidos, ou em alguns casos, tributá-los a uma alíquota menor”, afirma o advogado.
 
Além disso, segundo o advogado Murilo Melo, algumas formas de pagamentos realizados por empresas norte-americanas para partes relacionadas no Brasil poderão estar sujeitas a um novo imposto norte-americano chamado BEAT.
 
Melo afirma que o BEAT foi introduzido no sistema norte-americano para atender as atuais discussões relacionadas ao BEPS (Base Erosion, Profit Shifiting), coordenada em âmbito mundial, pela OCDE.
 
“O BEAT deverá ser recolhido por empresas norte-americanas, quando realizados certos tipos de pagamentos como royalties, a partes relacionadas, não residentes nos Estados Unidos. Como principal objetivo, o BEAT visa coibir a alocação ‘artificial’ de lucros e despesas entre empresas do mesmo grupo econômico”, explica o advogado.
 
Fonte: JOTA
 

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