Entidades buscam adiar decisão para 2019, mas encontram resistência da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN)
Tema de polêmica no meio empresarial, a reoneração da folha de pagamento entrou oficialmente em vigor no último sábado (01), conforme estabelecido pela Lei nº 13.670/2018. Com isso, empresas de 39 setores da economia não podem mais realizar a contribuição previdenciária sobre a sua receita bruta (alíquota de até 4,5%), sendo obrigada a fazê-la exclusivamente sobre a folha de pagamento (alíquota de 20%).
Até então, as empresas podiam optar anualmente pela melhor forma de contribuição, sempre de acordo com a sua realidade financeira; uma vez decidida, esta condição deveria ser obedecida até o fim do ano-calendário em vigência. Apesar da mudança realizada pela legislação, 17 setores seguem contemplados com a possibilidade de optar pela melhor forma de contribuição nos próximos dois anos, passando pela mudança apenas em 2020.
Sancionada em maio, a reoneração só veio a valer em setembro pois obedece ao princípio constitucional da anterioridade nonagesimal (período de noventa dias estipulado para que o aumento de um tributo seja válido judicialmente), conforme estipulado na legislação (art. 11, I), garantindo assim que a segurança financeira das empresas não acabe prejudicada com mudanças repentinas. O prazo adotado, porém, foi considerado insuficiente e prejudicial por alguns representantes das empresas afetadas pela reoneração, acarretando em processos judiciais.
Um destes processos, movido pela Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos e Odontológicos (Abimo), chegou a ser acatado pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) – mas a liminar, que concedia o direito da desoneração até dezembro às representadas pela entidade, acabou suspensa pelo próprio relator do processo, desembargador Luiz Alberto Souza Ribeiro, após a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) repreender a decisão.
Segundo o desembargador, a decisão inicial foi fundamentada com base na legislação original da desoneração. “Havia sido estabelecido pela Lei nº 12.546/2011, na redação dada pela Lei nº 13.161/2012, prazo de vigência da opção até o final de exercício financeiro e a impossibilidade de retratação da forma tributária escolhida neste período”, explicou em sua decisão. Segundo ele, “a modificação ou revogação do prazo de vigência da opção atenta contra a segurança jurídica das empresas”, uma vez “que não é possível mudar as regras tributárias no meio do ano-calendário”.
Procurada pela nossa equipe, a PGFN declarou que não há justificativa para argumentar que os contribuintes foram surpreendidos ou lesados. “A noventena foi expressamente cumprida pelo art. 11, I, da Lei nº 13.670/18”, que diz expressamente que a respectiva legislação “entra em vigor no primeiro dia do quarto mês subsequente ao de sua publicação (setembro)”. Além disso, o órgão defende que a decisão de desembargador Souza Ribeiro poderia ter efeito multiplicador pelo país, vindo a acarretar em uma significativa perda financeira aos cofres da Fazenda Nacional.
Desta forma, após a repreensão do órgão federal, o relator do processo optou por suspender os efeitos de sua decisão e apresentar agravo regimental, levando o julgamento ao colegiado. A data em que a pauta será julgada pela 2ª Turma do TRF-3 ainda não foi definida.
Para Carlos Navarro, sócio do escritório Viseu Advogados e professor da pós-graduação em Direito Tributário da Escola de Direito de São Paulo, o correto seria de fato adiar a reoneração para 2019. “Ainda que a Lei Federal nº 13.670/2018 atenda ao princípio constitucional da anterioridade nonagesimal, o fato é que a própria lei que instituiu a contribuição previdenciária sobre a receita bruta (12.546/2011) prevê que a escolha por este regime é irretratável para todo o ano-calendário”, explica o especialista. “Assim, o mais correto seria que a reoneração da folha ocorresse apenas a partir de janeiro de 2019, para que a escolha da empresa pelo regime da desoneração, feita para todo o ano-calendário, fosse respeitada”.
Segundo Navarro, o episódio não é exclusivo. “Já temos notícias de decisões favoráveis aos contribuintes, ainda que de 1ª instância, oriundas de outros Tribunais Regionais Federais (4ª Região, por exemplo)”, informa. “Acreditamos que ao optar pelo regime da desoneração, a empresa realiza seu planejamento financeiro para todo o ano-calendário. Com a mudança na ‘regra do jogo’, várias empresas podem se deparar com problemas financeiros, inclusive com dificuldades para adimplir suas obrigações tributárias”. Para ele, “a manutenção da desoneração da folha, ao menos até o final do ano-calendário, é a medida mais adequada em termos de segurança jurídica”.
Para o advogado, a tentativa de reoneração em setembro é mais um dos obstáculos que o sistema tributário impõe à atividade empresarial, que já conta com uma legislação de difícil interpretação e inúmeras obrigações acessórias que sofrem constantes alterações.
“Com a revogação da contribuição previdenciária sobre a receita bruta, as empresas podem se ver obrigadas a modificarem completamente seus planejamentos financeiros, para pagarem as contribuições previdenciárias de setembro a dezembro de 2018 sobre a folha de salários, situação que pode majorar, e muito, a carga tributária dessas empresas”, conclui Navarro. “Estamos falando de quatro meses de recolhimento, além do décimo terceiro salário, que não foram planejados no início do ano”.
Indagada sobre outros processos judiciais em andamento, a PGFN se limitou a confirmar
que está “avaliando a melhor estratégia conforme cada caso”.
Por fim, é importante ressaltarmos que a liminar em questão não diz respeito a todas as empresas enquadradas na legislação – e sim às empresas representadas pela entidade (Abimo).
Reoneração foi usada como manobra política na greve dos caminhoneiros
Desejo antigo do governo Temer, a Lei da Reoneração foi sancionada em maio como manobra política para dar fim à greve dos caminhoneiros, que bloqueavam diversas rodovias do país exigindo uma redução no preço do diesel. Para aprovar uma diminuição no valor do combustível, o governo procurou outras fontes de arrecadação, e entre elas aumentou a tributação sobre as empresas – dando fim à desoneração da folha de pagamento para 39 segmentos da economia.
Com a reoneração, o Governo Federal estimou arrecadar cerca de R$ 3 bilhões somente em 2018, cobrindo o rombo provocado pela redução no preço do diesel.
Segundo especialistas, as medidas adotadas pelo governo (incluindo a reoneração da folha de pagamento) para dar fim à greve dos caminhoneiros se mostraram prejudiciais à sociedade como um todo. Mesmo assim, grande parte delas foi aprovada, trazendo normalidade às rodovias brasileiras – e preocupação aos empresários brasileiros.
Por: Luan Carlos Tamanini
Fonte: Contabilidade na TV