Na última coluna que publicamos, demos início do ponto de vista fiscal à análise de alguns aspectos fiscais relacionados aos efeitos da Lei 13.288/2016, que trata do contrato de integração ou integração vertical.
O primeiro texto trouxe a análise dos efeitos para o produtor rural pessoa física quanto ao IRPF, onde afirmamos que a “remuneração” recebida nas operações decorrentes de referido contrato agrária seriam receitas da atividade rural.[1]
Nesta oportunidade faremos uma breve análise dos efeitos a título de PIS/Cofins para a agroindústria quanto aos valores pagos a título de remuneração, numa distribuição justa de resultados.[2]
Mais especificamente a questão seria: os produtos de natureza agropecuária recebidos pela agroindústria de forma onerosa nos termos da lei de integração, em geral, insumos utilizados para seu processo produtivo, geram créditos de PIS e Cofins no regime não cumulativo?
Como é de conhecimento, a Constituição Federal, no artigo 195, § 12, enuncia a não cumulatividade para as contribuições.
Portanto, se um contribuinte nos termos da lei estiver submetido a este regime da não cumulatividade, será da essência a busca pela neutralidade nas operações de entrada e saída, visando sempre tributar sem o acúmulo de tributos em sua base a partir da concessão de créditos, que, efetivamente, decorrem de uma imposição constitucional, sendo direito do contribuinte, não se aplicando o artigo 111 do Código Tributário Nacional.
Daí porque, no patamar infraconstitucional temos previsão do regime não cumulativo a partir do disposto nas leis 10.637/2002 e 10.833/2003, respectivamente, PIS/Pasep e Cofins, as quais expressamente enunciam o rol de hipóteses que permitem créditos a serem abatidos para fins de apuração e recolhimento de tais contribuições.[3]
Esta previsão legal, todavia, no agronegócio é complemente insuficiente para resguardar uma verdadeira e efetiva não cumulatividade, uma vez que seu principal fornecedor de insumos é normalmente um produtor rural pessoa física, que não é contribuinte de PIS/Cofins e, por conseguinte, não gera direito ao crédito das leis acima transcritas.
Apesar de o produtor rural não ser contribuinte nas operações que realiza das contribuições do PIS/Cofins, toda a cadeia que o envolve e que gera efetivo custo ao seu produto agropecuário sofre referida tributação, havendo, assim, a necessidade, dentro da perspectiva da não cumulatividade, da concessão de créditos que neutralizem ou reduzam este “resíduo tributário”.
A principal legislação sobre o tema é a Lei 10.925/2004[4], a qual concede nas operações voltados para o agronegócio um crédito presumido que, em regra, somente deve ser utilizado para abatimento das contribuições do PIS/Cofins no regime não cumulativo, embora leis posteriores foram autorizando a utilização para fins de ressarcimento e/ou compensação com outros tributos federais.
Quanto ao crédito presumido, preceitua o artigo 8º, da Lei 10.925/2004:
“Art. 8o As pessoas jurídicas, inclusive cooperativas, que produzam mercadorias de origem animal ou vegetal, classificadas nos capítulos 2, 3, exceto os produtos vivos desse capítulo, e 4, 8 a 12, 15, 16 e 23, e nos códigos 03.02, 03.03, 03.04, 03.05, 0504.00, 0701.90.00, 0702.00.00, 0706.10.00, 07.08, 0709.90, 07.10, 07.12 a 07.14, exceto os códigos 0713.33.19, 0713.33.29 e 0713.33.99, 1701.11.00, 1701.99.00, 1702.90.00, 18.01, 18.03, 1804.00.00, 1805.00.00, 20.09, 2101.11.10 e 2209.00.00, todos da NCM, destinadas à alimentação humana ou animal, poderão deduzir da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, devidas em cada período de apuração, crédito presumido, calculado sobre o valor dos bens referidos no inciso II do caput do art. 3º das Leis nºs 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e 10.833, de 29 de dezembro de 2003, adquiridos de pessoa física ou recebidos de cooperado pessoa física.
1º O disposto no caput deste artigo aplica-se também às aquisições efetuadas de:
I – cerealista que exerça cumulativamente as atividades de limpar, padronizar, armazenar e comercializar os produtos in natura de origem vegetal classificados nos códigos 09.01, 10.01 a 10.08, exceto os dos códigos 1006.20 e 1006.30, e 18.01, todos da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM);
II – pessoa jurídica que exerça cumulativamente as atividades de transporte, resfriamento e venda a granel de leite in natura; e
III – pessoa jurídica que exerça atividade agropecuária e cooperativa de produção agropecuária.
(…)
3º O montante do crédito a que se referem o caput e o § 1º deste artigo será determinado mediante aplicação, sobre o valor das mencionadas aquisições, de alíquota correspondente a:
I – 60% (sessenta por cento) daquela prevista no art. 2º da Lei no 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e no art. 2º da Lei no 10.833, de 29 de dezembro de 2003, para os produtos de origem animal classificados nos Capítulos 2, 3, 4, exceto leite in natura, 16, e nos códigos 15.01 a 15.06, 1516.10, e as misturas ou preparações de gorduras ou de óleos animais dos códigos 15.17 e 15.18;
III – 35% (trinta e cinco por cento) daquela prevista no art. 2º das Leis nºs 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e 10.833, de 29 de dezembro de 2003, para os demais produtos.
IV – 50% (cinquenta por cento) daquela prevista no caput do art. 2º da Lei no 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e no caput do art. 2º da Lei no 10.833, de 29 de dezembro de 2003, para o leite in natura, adquirido por pessoa jurídica, inclusive cooperativa, regularmente habilitada, provisória ou definitivamente, perante o Poder Executivo na forma do art. 9º-A;
V – 20% (vinte por cento) daquela prevista no caput do art. 2º da Lei no 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e no caput do art. 2º da Lei no 10.833, de 29 de dezembro de 2003, para o leite in natura, adquirido por pessoa jurídica, inclusive cooperativa, não habilitada perante o Poder Executivo na forma do art. 9º-A.”.
Seria a Lei 10.925/2004 aplicável aos contratos de integração de tal sorte que os valores pagos em decorrência da obtenção pelo integrador dos produtos agropecuários do produtor rural (integrado) geraria, dentro das hipóteses do artigo 8º, ‘caput’, o crédito presumido para fins de PIS/Cofins?
Entendemos que sim.
Nossa interpretação, que parte da necessidade de se buscar a efetiva e plena aplicação da não cumulatividade prevista no texto constitucional, não reconhece em tais contratos agrários uma mera prestação de serviços, muito menos relação de emprego ou prestação de serviço.
Ao contrario, o contrato agrário de integração é um complexo negócio jurídico de integração e colaboração entre produtor rural e agroindústria, onde aquele entrega pelo exercício de sua atividade rural produtos agrossilvipastoris. Tais bens são insumos da agroindústria – integrada.
Este é o primeiro passo. Temos a entrega pelo produtor rural de bens agropecuários, os quais são insumos para o integrador agroindústria.
Mais do que isso, esta relação negocial é onerosa, uma vez que existe um pagamento ao integrado pelo recebimento destes bens utilizados como insumo em sua produção. Este pagamento é denominado de remuneração e busca refletir uma forma justa de distribuição dos resultados, pois, neste contrato agrário, prima a colaboração e cooperação.
Esta forma de pagamento, denominada de remuneração, não deixa de ser uma forma onerosa de aquisição de tais bens para utilizar no processo produtivo. Isto porque, embora a agroindústria possa fornecer e colaborar com outros insumos ou mesmo serviços, a produção agropecuária é exercida pelo produtor rural, que entrega um bem, cujo pagamento por este, há de gerar o crédito presumido no regime não cumulativo para fins de PIS/Cofins. A expressão remuneração nada mais significa que o pagamento pelo recebimento do produto agropecuário, mas dentro do cumprimento e respeito a diversos direitos e deveres que envolvem esta figura do contrato agrário de integração vertical.
Portanto, de forma breve e objetiva, entendemos que os valores pagos a título do contrato de integração pelo fornecimento de bens utilizados como insumo para a agroindústria, pode gerar o crédito presumido de PIS/Cofins previsto na Lei 10.925/2004.
Artigo por Fábio Pallaretti Calcini é advogado tributarista, sócio do Brasil Salomão e Matthes Advocacia. É doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP, pós-doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra (Portugal) e ex–membro do Carf.
Fonte: ConJur